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Possível sucessor de Merkel na Alemanha, Scholz é tido como tranquilo e previsível

Por Folha de São Paulo

26/09/2021 15h32 — em
Mundo



HASSLOCH (ALEMANHA (FOLHAPRESS) - "Sou candidato a primeiro-ministro, não a animador de circo", respondeu o social-democrata Olaf Scholz, 63, quando lhe perguntaram se não lhe faltava demonstrar emoção.

Faltavam pouco mais de dois meses, e seu partido (SPD) ainda se arrastava como terceiro colocado na corrida eleitoral. Pouco depois, no final de julho, inundações mataram 177 no oeste da Alemanha, Scholz calçou botas de borracha, visitou as cidades destruídas e montou um pacote de ajuda.

Desde agosto, os social-democratas lideram as pesquisas de intenção de voto. As pesquisas de boca de urna colocam o SPD em empate virtual com a União (sigla de Angela Merkel): algumas dão 26% para os sociais-democratas e 24% para os conservadores, enquanto outras apontam 25% a 25%.

De personalidade controlada, antes de ser candidato ele já havia sido apelidado por jornalistas de "Scholz-o-mat", expressão que o identifica com algo tão previsível quanto uma máquina de lavar roupas.

Muitas vezes descrito como "sem carisma" e ou "alguém que saiu de um congresso de contadores", Scholz transmite mais tranquilidade que tédio, porém, e está longe de ser um tecnocrata obtuso, sem outros interesses.

É apaixonado por literatura e um admirador do romancista austríaco Robert Musil (1880-1942) e dos irmãos alemães Henrich (1851-1950) e Thomas Mann (1875-1955). Costuma acompanhar todas as edições da exposição de arte contemporânea Documenta -que acontece a cada cinco anos na Alemanha- e é aficionado por cinema.

Filho de um gerente comercial de empresas têxteis, ele é o mais velho de três irmãos. Nasceu em Osnabrück, no noroeste alemão, e cresceu em um bairro de classe média em Hamburgo, no norte do país.

Entrou para a juventude do SPD aos 17 anos, ainda no ensino médio. Nessa segunda metade dos anos 1970, Scholz se identificou com o marxismo e protestou contra o "imperialismo americano".

A fase mais à esquerda foi branda e durou pouco. Ele se moveu para o centro da centro-esquerda durante o curso de direito na Universidade de Hamburgo, onde se especializou em direito trabalhista.

Ainda tinha uma farta cabeleira castanha e ondulada quando se elegeu deputado federal, em 1998. Dois anos depois, foi eleito chefe do SPD em Hamburgo, estabelecendo-se na ala moderada da agremiação.

Scholz tornou-se o secretário-geral do partido no ano 2000 e a partir de 2002 fez parte do governo social-democrata de Gerhard Schröder, que reformou as regras trabalhistas alemãs.

Consideradas uma traição por sua base de apoio, as reformas forçaram Schröder a renunciar ao cargo de presidente do partido em 2004 e ajudaram Angela Merkel a vencer as eleições de 2005.

O revés não impediu que Scholz continuasse no governo, como ministro do Trabalho nesse primeiro mandato de Merkel. Quando o SPD voltou para a oposição, em 2009, ele voltou a Hamburgo, recuperou a liderança regional do partido e se elegeu prefeito.

Sua gestão, de 2011 a 2018, foi bem avaliada pelos moradores por ter saneado as contas da cidade e, principalmente, pelo investimento em habitação, também um dos pilares de sua campanha a premiê. Foi criticado, porém, por não ter prevenido nem contido protestos violentos em 2017, durante a cúpula do G20, que deixaram carros queimados, vitrines quebradas e espalharam pânico.

O então prefeito também foi acusado de participação em fraude fiscal, conhecida como "caso CumEx". O caso ainda não se encerrou, mas as investigações não encontraram provas de que Scholz tivesse culpa no esquema.

Desde 2018, o social-democrata é vice-primeiro-ministro no governo Merkel e ministro das Finanças. Dois anos atrás, ele perdeu a disputa pela liderança do SPD para uma dupla de esquerda, que o atacou por seu centrismo moderado, mas conseguiu ser escolhido o candidato a chanceler em agosto de 2020.

No governo, acumulou trunfos. Foi o responsável por montar o programa de ajuda contra a crise do coronavírus, que ele apresentou como "a bazuca necessária" para segurar empregos e apoiar empresas: um pacote de 750 bilhões de euros (R$ 4,7 trilhões), calçado em uma dívida de quase 400 bilhões de euros.

Também viu ser aprovada em julho deste ano, na reunião do G20 em Veneza, a proposta de imposto mínimo global, da qual ele era um dos principais articuladores.

Nessa função federal, não escapou de acusações: é investigado sob suspeita de falhar na fiscalização da empresa financeira Wirecard, que quebrou. Seus índices nas pesquisas eleitorais não se mexeram após o caso, o que levou jornais a chamá-lo em seus títulos de "candidato Teflon".

Em vez disso, tiveram mais força seu slogan "Scholz resolve" e suas investidas explícitas para se mostrar como o herdeiro do estilo Merkel de governar. Numa delas, posou para uma capa de revista imitando o gesto de mãos em forma de losango que são marca registrada de sua chefe.

Em outra, lançou um cartaz de propaganda onde, sobre sua foto, lê-se "Ele pode ser primeira-ministra", empregando de propósito o gênero feminino.

Scholz é admirador do filósofo americano Michael Sandel, um dos principais críticos da meritocracia, apresentada como um sistema que mantém privilégios e mina a coesão social.

A visão casa bem com a carreira trabalhista de Scholz, que em entrevista em 2008 já chamava de cínica a afirmação de que muitos desempregados preferem ficar em casa a aceitar um emprego de menor nível.

"Milhões de pessoas neste país ganham pouco, muito pouco e ainda vão trabalhar todos os dias, muitas vezes pelo resto de suas vidas. Para mim, esses são os verdadeiros heróis do nosso tempo", afirmou à revista Stern.

Na campanha eleitoral, o candidato disse que a pandemia escancarou a importância de enfermeiros, cuidadores, motoristas, caixas de supermercado e entregadores, e prometeu elevar seus rendimentos.

"Nossa sociedade está construída sobre os ombros de quem trabalha duro e ainda se beneficia muito pouco de uma recuperação econômica", foi uma de suas frases.

Scholz disse em entrevistas que é um engano achar que é apenas por "mérito" que as classes mais altas obtêm sucesso e que, como resultado, "aqueles que realmente mantêm o show na estrada não recebem o respeito que merecem".

Nos debates desta campanha, Scholz apareceu sempre mais tranquilo e controlado que seus dois principais concorrentes, Armin Laschet, 60, da União, e Annalena Baerbock, 40, dos Verdes.

Com 1,70 metro de altura, o corpo em forma de quem pratica remo e corrida assiduamente e os cabelos que lhe restam raspados, Scholz parece confortável nos costumeiros paletó e camisa social sem gravata.

Sua fala é suave e séria, mas ele sorri com frequência, o que chegou a irritar um de seus adversários políticos, o líder da CSU, Markus Söder.

"Não fique aí sentado com esse sorriso de Smurf", lhe disse o governador da Baviera durante reuniões sobre a crise da pandemia. Scholz disse ter gostado da comparação com as criaturas azuis criadas pelo cartunista belga Peyo. "Eles são pequenos, astutos e sempre ganham", retrucou, segundo o site jornalítico Politico.

Em mais uma semelhança com Merkel, Scholz é discreto sobre sua vida pessoal.

Desde 1998, está casado com Britta Ernst, que ele conheceu no SPD e é hoje secretária da Educação de Brandemburgo. O casal decidiu não ter filhos.

Quando lhe perguntaram durante a campanha se Britta continuaria trabalhando no caso de ele se tornar premiê, respondeu: "A pergunta mostra o quanto nossa sociedade está longe da igualdade".


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