Oposição da Argentina a gênero e agenda da ONU vira risco para meta do Brasil no G20
RIO DE JANEIRO, RJ E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo da Argentina, sob orientação do ultraliberal Javier Milei, adotou uma postura nas negociações do G20 de se opor a trechos na declaração final sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.
A delegação de Buenos Aires também tem levantado objeções a menções, no texto em negociação, aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e à Agenda 2030 da ONU -17 metas adotadas em 2015 para promover a sustentabilidade, erradicar a pobreza e proteger o planeta até o final da década. Trata-se de mais um exemplo da guinada ultraconservadora que Milei impôs na política externa argentina.
A estratégia argentina preocupa o Itamaraty, que tenta negociar um documento que possa ser aceito por todos os membros do G20. Ouvidas pela Folha, pessoas com conhecimento das conversas dizem que será difícil que o resultado das negociações não deixe evidente ao menos algumas das divergências levantadas pelos representantes de Milei.
O viés conservador da diplomacia de Buenos Aires se aprofundou desde que Milei demitiu a ex-chanceler Diana Mondino e nomeou no seu lugar Gerardo Werthein, que era embaixador do país em Washington. O líder argentino se sente empoderado pela vitória de Donald Trump, de quem é um admirador nada secreto.
Negociadores do grupo que reúne as principais economias desenvolvidas e emergentes do globo se encontraram nesta terça-feira (12) no Rio de Janeiro para começar a negociar um documento final que possa ser chancelado pelos chefes de Estado e de governo, que se reunirão na cidade a partir da próxima segunda-feira (18).
O Itamaraty teme, no entanto, que instruções diretas da Casa Rosada levem o negociador argentino a se opor a outros assuntos em discussão. Em última instância, Milei poderia se negar a endossar o documento final dos líderes do G20, o que seria um golpe para a presidência brasileira.
Isso deixaria o líder argentino isolado no fórum e prejudicaria ainda mais as relações com o Brasil, importante parceiro econômico para Buenos Aires. Mas Milei já deu demonstrações de que não se importa em ficar isolado na arena internacional.
Recentemente, o país liderado por ele foi o único a votar contra a um resolução na ONU sobre o direito dos povos indígenas. Em um gesto extremo, a delegação argentina abandonou a reunião global do clima da ONU, a COP29, que ocorre no Azerbaijão.
Em outra postura que preocupa o Brasil, Argentina e Arábia Saudita são os únicos integrantes do G20 que ainda não aderiram formalmente à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, a principal bandeira de Lula no grupo. O documento que precisa ser endossado para aderir à iniciativa traz referências aos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, o que é apontado como o motivo da resistência do governo Milei -que tem uma retórica antiglobalista.
Os argentinos protagonizaram um dos reveses da presidência do Brasil no G20. Em outubro, a delegação de Buenos Aires se recusou a endossar um texto negociado por ministros justamente sobre igualdade de gênero. Foi uma das poucas reuniões de ministros que terminaram sem uma redação aceita por todos os países representados.
A declaração de outubro afirmava que mulheres e meninas "enfrentam barreiras particulares" relacionadas a gênero. Também defendia que os países enfrentassem o problema da "distribuição desigual do trabalho doméstico e trabalhassem para garantir acesso igualitário ao trabalho decente, empregos de qualidade e paridade de gênero como uma meta para posições de liderança".
"Nós reconhecemos que desigualdades de gênero persistem apesar dos compromissos de países com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável", dizia o documento.
Nesta terça, o governo Lula apresentou aos sherpas estrangeiros (termo diplomático para se referir aos negociadores) um texto sobre gênero que, em linhas gerais, reproduzia o que os ministros haviam negociado em outubro.
Durante as conversas, o representante da Argentina destacou que seu país não havia concordado com a redação publicada em outubro e que havia ali algumas expressões que eram vistas como linhas vermelhas por seu governo.
As objeções de outros países, como Rússia e China, foram contornadas sob o argumento de que esses países já tinham aceito os termos propostos em outubro. Diante da resistência argentina, o governo Lula deve fazer ajustes nos parágrafos para tentar vencer as objeções.
Quando os diplomatas presentes passaram a debater outros capítulos que citam os ODS e a Agenda 2030 da ONU, o negociador enviado por Buenos Aires argumentou que Milei, em seu discurso na Assembleia-Geral da organização em setembro, colocou as diretrizes argentinas para esses temas.
Em seu pronunciamento, Milei criticou o que chamou de "agenda ideológica" imposta pela ONU. Um dos pontos centrais da crítica do argentino foi a Agenda 2030.
Segundo ele, trata-se de um "programa supranacional de natureza socialista, que pretende resolver os problemas da modernidade com soluções que atentam contra a soberania dos Estados e que violentam o direito da vida".
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