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Na Argentina, urnas para combater o narcotráfico

Por Agência O Globo

23/10/2016 3h00 — em
Mundo



LA PLATA, ARGETINA — Na região norte da cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires, as favelas se multiplicam a cada ano que passa, e com elas cresce, também, o consumo de drogas, principalmente entre os jovens. A situação, segundo moradores e ONGs que trabalham em bairros humildes, é dramática, e o Estado, apesar de o presidente Mauricio Macri considerar o combate ao narcotráfico uma das prioridades de seu governo, continua ausente. Esse vazio tem sido ocupado pelos próprios habitantes de La Plata, que decidiram recentemente instalar urnas em pontos estratégicos da cidade para que possam ser depositadas denúncias anônimas sobre locais de venda de drogas.

A iniciativa teve grande repercussão no país, poucos dias antes do último encontro entre Macri e o Papa Francisco, no Vaticano, dia 15 passado, no qual ambos conversaram sobre a luta contra o narcotráfico. O chefe de Estado disse que se trata de uma preocupação comum, e que Francisco “disse que nesta batalha não se pode ceder”.

— Eu expliquei que estamos nos concentrando nas fronteiras, que é apenas o começo, e que estamos fazendo avanços importantes — declarou o presidente.

A Casa Rosada, segundo contou ao GLOBO o secretário de Segurança Nacional, Eugenio Burzaco, dedicou os primeiros meses de gestão a “aumentar de forma expressiva a presença de forças de segurança nas fronteiras”. O motivo é claro: na Argentina se fabrica pouca droga, e a grande maioria vem de países vizinhos, como Bolívia, Peru e Paraguai.

— A Argentina não produz as substâncias naturais básicas. A cocaína vem da Bolívia e do Peru, e a maconha, do Paraguai — disse Burzaco, que como secretário de Segurança já conquistou o recorde de apreender quatro mil quilos de cocaína desde que Macri chegou ao poder.

Todas as semanas são divulgadas informações sobre operações deflagradas contra grupos ligados ao narcotráfico. Mas no dia a dia dos bairros mais pobres de cidades como La Plata e Rosário, província de Santa Fe, o flagelo das drogas é cada vez maior.

— Nossos garotos começam a consumir aos 12 anos. As mães estão desesperadas. Decidimos instalar as urnas justamente por pedido delas — contou Pablo Pérez, que está à frente da ONG Iniciativa Cidadã, de La Plata.

Ele teve a ideia porque “o temor em denunciar os que vendem drogas é muito grande, ninguém se atreve”.

— Aqui em La Plata, o que mais se vende é uma cocaína de má qualidade, que custa barato e tem um efeito que passa muito rápido. É uma tragédia para os jovens, muitos dos quais não estudam nem trabalham — comentou Pérez.

A capital da província de Buenos Aires é uma cidade essencialmente de classe média. Mas cada vez são mais evidentes os sinais de empobrecimento. As favelas se espalham e nesse processo aumenta, também, a circulação de drogas.

As urnas foram colocadas em pontos de ônibus e avenidas muito transitadas. Algumas foram roubadas, mas a intenção da ONG é continuar apostando nas denúncias anônimas para ajudar as forças de segurança a encontrarem pequenos traficantes. O mesmo drama enfrenta Rosário, conectada por estradas federais a países vizinhos, como Bolívia e Paraguai. A cidade tem, ainda, uma hidrovia onde existem mais de 20 portos privados.

— Já desarticulamos vários grupos criminosos de Rosário, como Los Monos e Los Canteros. Não são cartéis, porque não controlam territórios grandes, são organizações menores — explicou o secretário.

Desde que Macri assumiu, aumentaram em 15% as operações de busca de drogas em todo o país, de acordo com a Subsecretaria de Luta contra o Narcotráfico do Ministério de Segurança. Mas os dados sobre o consumo de drogas continuam alarmantes.

Elas já são o segundo maior motivo de morte entre os adolescentes do país. O que mais vende é maconha, seguida de cocaína e drogas sintéticas. De acordo com o Conselho Federal de Drogas, na última década o consumo de maconha triplicou.

— Estamos enfrentando uma realidade que o governo anterior negou. Diziam que a Argentina era um país de trânsito, quando somos, claramente, consumidores. Estamos no caminho certo, prova disso é que os preços estão subindo porque estamos afetando o negócio — assegurou Burzaco.

A tragédia das drogas se misturou, recentemente, com outra grande preocupação nacional: a violência contra as mulheres. No começo do mês, Lucia Pérez, de 16 anos, foi drogada, estuprada e assassinada no balneário de Mar del Plata, a 400 quilômetros da capital do país. Os dois acusados pelo homicídio foram denunciados, também, pela venda de drogas. O caso provocou comoção em todo o país e levou organizações de mulheres a convocarem a segunda passeata do ano com o lema “Nenhuma a menos”, para exigir maior proteção do Estado e da Justiça.

O grande medo da ONG Iniciativa Cidadã é que La Plata se transforme numa nova Rosário, uma espécie de capital das drogas na Argentina. A falta de presença estatal é real e, perguntado sobre as críticas, Burzaco admitiu que cidades como La Plata e Rosário têm um problema grave de drogas, e, a partir da recuperação das fronteiras, o governo vai se concentrar em combater a distribuição.

— É bom que a sociedade civil se organize, mas é o Estado quem deve estar nesses lugares — afirmou o secretário.

A cruzada de Macri é acompanhada pela governadora da província de Buenos Aires, a popular Maria Eugenia Vidal, que tem adotado medidas drásticas contra a corrupção policial. Este mês, foi provocado um incêndio num tribunal de San Martín, na Grande Buenos Aires, onde os criminosos, além de queimar dezenas de processos, deixaram uma ameaça de morte a Vidal.

Ao contrário do Uruguai, que no governo do ex-presidente José Mujica (2010-2015) aprovou uma lei que liberou a comercialização e distribuição da maconha, a Argentina de Macri está focada no combate às drogas e, de acordo com o secretário de Segurança, não tem a menor intenção de seguir os passos do vizinho. A única iniciativa em mãos do Parlamento defende a utilização da maconha com usos medicinais, e a Casa Rosada ainda não definiu posição sobre o assunto.


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