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Mianmar tem greve geral e grandes protestos contra golpe mesmo após ameaças do governo

Por Folha de São Paulo

22/02/2021 16h04 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma greve geral contra o golpe militar em Mianmar fechou empresas nesta segunda (22) e grandes multidões protestaram em várias partes do país. Os atos foram realizados mesmo após a junta militar advertir que os ativistas correm risco de morte ao irem a manifestações.

Nesta segunda, centenas de milhares de pessoas se reuniram em várias cidades. Os protestos desta segunda foram os maiores já feitos desde o golpe, em 1º de fevereiro, segundo o Washington Post.

A data foi escolhida para grandes atos por ter cinco números dois: "22/2/2021". Ativistas viram relação disso com "8/8/1988", dia de grandes protestos contra outro regime militar que dominou o país, cerca de 33 anos atrás.

As autoridades militares voltaram a cortar o acesso à internet na madrugada de segunda-feira, pela oitava noite consecutiva, segundo o NetBlocks, entidade com sede no Reino Unido.

Na capital, Naypiytaw, canhões de água disparados pela polícia interromperam uma marcha de manifestantes. Os jatos jogaram muitos deles ao chão.

Em Rangoon, maior cidade do país. milhares de pessoas se reuniram. Em um dos atos, manifestantes sentaram no chão e exibiram bandeiras de apoio à chefe de governo deposta, Aung San Suu Kyi, que está detida desde 1º de fevereiro em um local não divulgado.

Muitos mercados e outros estabelecimentos comerciais permaneceram fechados em solidariedade ao movimento pró-democracia. Também foram registradas manifestações nas cidades de Myitkyina (norte) e Dawei (sul).

"Estamos aqui para participar na manifestação, para lutar até a vitória", declarou o estudante Kyaw Kyaw, 23, em Rangoon. "Nada vai acontecer se meu salário for cortado, mas se ficarmos sob uma ditadura militar, vamos ser escravos", disse, à Reuters.

"O Exército tomou o poder injustamente do governo civil eleito", afirmou um manifestante de 29 anos, que pediu anonimato. "Lutaremos até obter nossa liberdade, democracia e justiça".

No domingo (21) à noite, as autoridades advertiram que "os manifestantes estão incitando as pessoas, sobretudo os adolescentes e jovens exaltados, a seguir o caminho do confronto no qual morrerão", segundo um comunicado em birmanês lido no canal de televisão estatal MRTV, com legendas em inglês.

No domingo, ativistas prestaram homenagem à primeira vítima fatal da repressão, uma jovem que se tornou ícone da resistência. O funeral de Mya Thwate Thwate Khaing, atingida por um tiro na cabeça e que faleceu após 10 dias de internação, reuniu milhares de pessoas na periferia de Naypyidaw.

No sábado morreram duas pessoas em Mandalay e uma terceira em Rangoon, vítimas da repressão policial. De acordo com a associação de ajuda aos presos políticos, 640 pessoas foram detidas desde o golpe.

A preocupação da comunidade internacional é cada vez maior. O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou nesta segunda-feira a "força brutal" utilizada pelos militares. "Peço ao exército de Mianmar que pare a repressão imediatamente, liberte os prisioneiros, acabe com a violência e respeite os direitos humanos e a vontade do povo expressada nas recentes eleições", afirmou Guterres, na abertura da 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas .

Também nesta segunda, os ministros das Relações Exteriores da União Europeia advertiram que estão dispostos a adotar sanções contra os militares, depois que Estados Unidos, Reino Unido e Canadá tomaram decisões neste sentido.

O Ministério das Relações Exteriores de Mianmar classificou as medidas estrangeiras de "interferência flagrante" nas questões internas do país. "Apesar das manifestações ilegais, as incitações aos distúrbios e a violência, as autoridades dão mostras de grande contenção, recorrendo o mínimo possível à força para enfrentar as perturbações", afirmou o ministério em um comunicado.

O Exército vem tentando usar supostas acusações de fraude no pleito como justificativa para a tomada de poder. Os militares também acrescentaram à narrativa o argumento de que a comissão eleitoral do país usou a pandemia de coronavírus como pretexto para impedir a realização de uma campanha justa. Dizem ainda que agiram de acordo com a Constituição e que a maior parte da população apoia sua conduta, acusando manifestantes de incitarem a violência.

O general Hlaing decretou em 1º de fevereiro um estado de emergência que deve durar um ano. "Colocaremos em operação uma verdadeira democracia multipartidária", declarou o novo regime, acrescentando que o poder será transferido após "a realização de eleições gerais livres e justas". A promessa, apesar de reiterada, é encarada com ceticismo pelos mianmarenses opositores e por observadores internacionais.

A LND, partido de Suu Kyi que comanda o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento nas últimas eleições em Mianmar, realizadas em novembro do ano passado. A legenda, entretanto, foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.

Mianmar tem um violento histórico de reações a protestos. Na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança do país durante atos contra o regime militar --o país viveu sob uma ditadura de 1962 a 2011.

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CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR

1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente

1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar

1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência

1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais

1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder

1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz

1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições

2008: Assembleia aprova nova Constituição

2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido

2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento

2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro

2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência

2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar

2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado

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