Harlem atual não é o mesmo que projetou Malcolm X, nascido há 100 anos
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Uma distância de 4,5 km separa o palco onde Malcolm X foi abatido por dezenas de tiros e o cruzamento do boulevard Malcolm X com o boulevard Dr. Martin Luther King Jr, no centro comercial do Harlem.
O centenário do líder muçulmano, nesta segunda-feira (19), vai ser marcado por eventos em vários estados e no Harlem, onde ele adquiriu uma reputação nacional, como ministro do grupo Nação do Islã.
Uma caminhada ao longo do movimentado lado oeste da rua 125, que leva o nome de King, não revela referências visuais a Malcolm X. Vendedores ambulantes enchem as calçadas na frente de grandes cadeias de lojas que começaram a chegar nos anos 1990, um processo de gentrificação incentivado por empresários e autoridades locais.
Mas é só parar residentes da área e as referências a Malcolm X saem, espontâneas, de preferência com base só no primeiro nome. O zelador de edifícios Prince sabe a importância da esquina onde fuma um cigarro. Estamos diante do antigo hotel Theresa, apelidado de Waldorf Astoria do Harlem, onde Malcolm X alugou escritórios para a Organização da Unidade Afro-Americana, o grupo que fundou ao se distanciar do Nação do Islã e de seu líder e mentor Elijah Muhammad.
Hoje um edifício de escritórios tombado pelo patrimônio histórico de Nova York, o Theresa hospedava intelectuais negros e músicos como Louis Armstrong, Duke Ellington e Jimi Hendrix. Em setembro de 1960, durante a Assembleia Geral da ONU, a imprensa mundial se acotovelou na porta do hotel para cobrir o encontro do hóspede Fidel Castro com Malcolm X. O então premiê soviético Nikita Kruschev também foi ao hotel visitar o líder cubano.
Na mesma calçada, organizando uma banca de CDs, Godwyn diz que sua memória "número um" é o fato de Malcolm X ter sido muçulmano, como ele. "Mas," conclui, indignado, "os que o assassinaram também eram".
Na fila de um trailer de comida jamaicana, Kay abre um sorriso quando ouve o nome Malcolm X e interrompe seu entusiasmo com pedidos de mais molhos e pimenta para o vendedor. "Para mim, a memória de Malcolm X é tradição de família," ela diz. E como esta memória é preservada? "Depende de para quem você perguntar," diz Kay, deixando claro que se refere a grupos raciais.
Mais à frente, na banca de pedras e cristais, Zuwena explica, orgulhosa, que seu nome quer dizer "forte líder feminina" em Suaíli, embora o Google Tradutor teime em traduzir como "seja bem-vinda", e representa bondade e beleza em culturas africanas. Ela cresceu ouvindo histórias de Malcolm X, já que seu pai foi professor de estudos afro-americanos em várias faculdades. Indagada sobre o principal motivo da admiração, ela não hesita: "Por todos os meios necessários", a famosa frase de Malcolm X sobre o direito de defesa contra opressão.
Em meio à cacofonia de alto-falantes de automóveis e pregadores do apocalipse, James Manning poderia ser facilmente personagem de um filme sobre Nova York. Ele tentava recolher assinaturas de adesão à sua candidatura para a eleição de novembro, com um cartaz que dizia: "da prisão para pastor para prefeito" a terceira etapa, uma impossibilidade matemática.
Manning lembra que desembarcou em Manhattan vindo de uma região rural da Carolina do Norte, meses depois do assassinato de Malcolm X, e destaca como virtude maior a coragem do líder que queria ter tido a chance de encontrar.
Numa mesa ao ar livre do celebrado restaurante Red Rooster, do chef Marcus Samuelsson, Abdulrashid Tsimbilla ainda usa a beca da festa de formatura. Ele se formou em segurança cibernética e diz que só aprendeu sobre Malcolm X quando emigrou de Camarões, há oito anos.
Malcolm X não reconheceria o Harlem gentrificado deste século onde, na sua fronteira ao sul acaba de ser inaugurado um novo complexo dentro do Central Park, o Davis Center at Harlem Meer, com piscina, rinque de patinação no gelo e espaço para esportes.
A cidade se recusou a tombar o Audubon Ballroom, onde Malcolm X foi assassinado em 21 de fevereiro de 1965, mas o exterior foi restaurado, e o prédio hoje abriga todo o seu arquivo, por iniciativa de sua viúva Betty Shabazz, morta em 1997. O local é hoje apoiado por seus herdeiros.

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