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Guerra da Ucrânia e inflação nublam otimismo do verão pós-Covid na Europa

Por Folha de São Paulo

28/05/2022 14h04 — em
Mundo



MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Ainda antes da guerra, quando o primeiro pacote de sanções contra Moscou foi anunciado como tentativa de dissuasão, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, fez aos russos uma provocação nas redes sociais: "Chega de compras em Milão, festas em Saint-Tropez, diamantes na Antuérpia". Pouco depois, ele apagou o post, considerado deselegante. No dia seguinte, a Rússia invadiu a Ucrânia.

Passados três meses, o turismo na Europa dá sinais de que a alta temporada do verão no hemisfério Norte, com pico entre julho e agosto, pode ser a mais virtuosa dos últimos dois anos de pandemia -mas a ausência dos russos, como efeito da guerra e de mais quatro pacotes de sanções, será sentida.

A referência de Borrell a cidades de Itália, França e Bélgica dá a dimensão do estereótipo desses turistas na Europa. Apesar de não estarem entre os mais numerosos, os russos ocupavam a sétima posição entre os que mais gastavam em viagens internacionais, com EUR 32 bilhões em 2019, antes da crise sanitária.

Como consequência das sanções, o tráfego aéreo entre Rússia e UE foi suspenso pelas duas partes, portos estão fechados para embarcações russas, bancos russos foram desconectados do sistema financeiro e restrições a viagem e bens atingem mais de 1.100 pessoas e entidades no país.

O impacto da guerra no turismo europeu afeta com mais força a porção oriental do continente. Há lugares que estão sendo menos procurados por viajantes internacionais devido à proximidade geográfica com o conflito -como Bulgária, Croácia, Hungria e Polônia- e outros mais dependentes dos viajantes russos.

Entre esses estão, segundo a Organização Mundial do Turismo, Chipre, Montenegro, Letônia, Finlândia, Estônia e Lituânia. Turistas do país de Vladimir Putin representavam ao menos 10% do total antes da pandemia nesses lugares, mas no Chipre a taxa chegava a 20%. Em destinos maiores, como Espanha, França e Itália, o percentual não ultrapassava os 3%, mas o que conta é a forma como o dinheiro é gasto.

Em 2019, a Itália hospedou quase 1,8 milhão de russos, responsáveis por 5,8 milhões de diárias -2,6% do total de presença estrangeira, dez vezes menos que o maior grupo, os alemães. Em gastos, porém, eles ficam em quarto lugar, atrás apenas de japoneses, chineses e canadenses. Em média, cada russo gastou, em 2018, EUR 145 (R$ 736, na cotação mais recente) por dia na Itália. Além disso, mais de 40% das estadias desse grupo foram registradas em hotéis de luxo, de acordo com o instituto de estatística italiano.

Segundo Michele Costabile, professor da Universidade Luiss de Roma especializado em comportamento econômico, o impacto será concentrado em pontos específicos do segmento de luxo, como nas praias de Portofino, Capri e Taormina. "Hotéis, restaurantes e balneários vão sentir a ausência dos russos, que têm grande capacidade de gastos. E a Sardenha deve ser a área italiana que vai mais sofrer", afirma.

A ilha no Mediterrâneo é um dos destinos preferidos dos russos. Ali, no início da guerra, uma mansão do oligarca Alisher Usmanov avaliada em EUR 17 milhões (R$ 86 milhões), na famosa Costa Esmeralda, foi apreendida como parte das sanções, assim como seu iate. "Como novos-ricos, esse grupo busca status simbólico no turismo. Gosta de ostentar, com coisas como pirâmide de taças de espumante."

A percepção é parecida na Espanha, diz Juan Gómez, chefe de inteligência de mercado da ForwardKeys, especialista em análise de dados de viagens aéreas. "Eles escolhem cidades específicas e têm hábitos próprios, como não viajar em rotas comerciais, mas com meios privados, como barcos e jatos."

Desde a Páscoa, Veneza vê o volume de viajantes internacionais se aproximar do nível pré-pandêmico, mas a guia Angela Popovici estima que esteja trabalhando só 20% daquilo que costumava até 2019. Há seis anos especializada em atender clientes em russo, ela nota a falta daqueles que moram no país.

"Agora que a Rússia está bloqueada para viagens, para chegar à Europa os cidadãos que têm visto válido têm que fazer escala na Turquia ou nos Emirados Árabes Unidos. Como a viagem ficou mais longa e muito mais cara, não são muitos", conta. "Eles também precisam trazer dinheiro em espécie ou cartões de outros países, devido ao bloqueio aos bancos russos."

Segundo análise da ForwardKeys, a ausência dos russos na Europa não significa que eles tenham deixado de viajar por lazer. Mas, desde a guerra, passaram a priorizar destinos em que foram menos "cancelados", na Ásia e no Oriente Médio, como Sri Lanka, Maldivas, Quirguistão, Turquia e Emirados Árabes.

Um relatório divulgado nesta semana no Fórum Econômico Mundial, em Davos, avalia que a Guerra da Ucrânia representa um novo obstáculo para a recuperação do turismo global. Além das restrições a viagens, o documento destaca interrupções de logística, aumento de preços da energia e problemas em rotas aéreas, como as entre Europa e Ásia, que precisam desviar do espaço aéreo russo.

Apesar disso e da ausência dos chineses, que ainda lidam com as restrições da pandemia, especialistas preveem que a temporada de verão na Europa vá recuperar boa parte do fôlego perdido nos dois últimos anos. As últimas semanas deram bons sinais e, além da demanda interna (77% dos europeus pretendem viajar entre abril e setembro), há o retorno de turistas das Américas e da Austrália.

"A mudança-chave é a estabilidade nas regras e nas restrições de viagens, que permite aos viajantes fazer planos com antecedência. No ano passado, nessa época, ainda eram feitas muitas alterações, e as campanhas de vacinação estavam começando", afirma Gómez, da ForwardKeys.

A expectativa, segundo ele, é a de que o turismo no Mediterrâneo se aproxime dos níveis pré-pandemia, com algumas rotas superando as cifras de 2019, como o fluxo entre EUA e Grécia. "Há uma demanda reprimida nos últimos dois anos, e isso vai superar o impacto negativo da guerra e da inflação."

*

DESPESAS EM TODO O MUNDO EM VIAGENS AO EXTERIOR POR PAÍS DE ORIGEM

em bilhões de euros, em 2019 (pré-pandemia), segundo o Banco da Itália

China

227,4

EUA

136

Alemanha

82,1

Reino Unido

63,5

França

44,8

Austrália

32,4

Rússia

32,3

Canadá

31,1

Coreia do Sul

28,9

Itália

27,1


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