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Funeral de presidente do Haiti ocorre em meio a protestos e dúvidas sobre assassinato

Por Folha de São Paulo

23/07/2021 17h06 — em
Mundo



BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Em meio a um clima de instabilidade e a várias perguntas sem respostas sobre o assassinato de Jovenel Moïse, o caixão com o corpo do presidente do Haiti foi carregado por uma comitiva de homens em trajes militares em Cap-Haitien, onde ele foi enterrado nesta sexta-feira (23), mais de duas semanas após sua morte.

Coberto pela bandeira haitiana, o caixão também recebeu coroas de flores brancas —a cor do luto no país— e a bênção de um padre católico, em uma cerimônia que, de certa forma, simboliza a expectativa de que o país possa se recuperar das feridas históricas.

Representantes de diversos países se dirigiram a Cap-Haitien para participar da série de cerimônias em memória de Moïse ao longo do final de semana. Questionado pela reportagem se enviou algum representante ao Haiti, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu até a manhã desta sexta.

A relativa calma durante o início do funeral do presidente, no entanto, foi rompida horas mais tarde quando, segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, surgiram relatos de disparos de tiros e de bombas de gás entre a multidão do lado de fora do local da cerimônia.

De acordo com a agência, a delegação dos Estados Unidos —que incluía a embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, e o novo enviado de Washington ao Haiti, Daniel Foote—, e outros dignitários estrangeiros foram levados às pressas para veículos em áreas protegidas. Não houve relatos imediatos de feridos nem qualquer indicação de que os convidados estivessem em perigo.

Cap-Haitien tornou-se palco de um cenário de convulsão social nos últimos dois dias. Centenas de pessoas participaram de uma marcha organizada pelo governo local nesta quinta-feira (22), durante a qual os participantes misturavam os pedidos de justiça a elogios a Moïse, tratado quase como um messias.

"Explodiram o olho dele porque ele queria nos iluminar. Quebraram o braço dele porque ele queria nos ajudar. Ele foi assassinado porque lutava pelo povo", disse uma manifestante ao jornal haitiano Le Nouvelliste.

A marcha foi pacífica, mas ao final do percurso, alguns grupos mancharam o céu com a fumaça preta de pneus em chamas na tentativa de bloquear estradas e impedir a entrada de pessoas de outras localidades que queriam acompanhar o funeral.

A mensagem das ruas evidencia um nível de divisão ainda muito agudo no país e contraria o objetivo pelo qual o novo governo do Haiti disse trabalhar. Ao assumir o poder na última terça-feira (20), o primeiro-ministro Ariel Henry disse ser um "democrata e um homem de diálogo" e prometeu agir pelo apaziguamento político no país. ​

O discurso, no entanto, ainda não convenceu parte da população. "Mandamos alguém vivo, eles mandaram de volta um cadáver", disse ao jornal americano The New York Times o mecânico Frantz Atole, 42, acrescentando que os atos de protesto devem continuar. "Este país não vai ficar em silêncio."

Outra manifestante em Cap-Haitien culpou "a burguesia de Porto Príncipe", capital do país, pela morte de Moïse e pelo cenário de tensão instalado no Haiti. "Tudo o que estou pedindo é que fechem todas as ruas para impedi-los de chegar [ao funeral]", disse a estudante Emmanuella Joseph, 20, chorando, em um trecho da estrada bloqueado pelos protestos.

Na cidade, foram montados palcos com bastante iluminação, e a estrada de tijolos que leva ao mausoléu da família foi pavimentada. Situado em um terreno onde ele viveu quando menino, o local onde Moïse será enterrado fica à sombra de árvores frutíferas e a poucos passos do túmulo de seu pai.

"Clamem por justiça. Não queremos vingança, queremos justiça", disse Martine Moïse, viúva do presidente, ao se aproximar do caixão, com o rosto parcialmente coberto por um chapéu preto de aba larga e uma tipoia no braço direito. No ataque que matou o marido, ela também foi baleada e, em estado grave, transferida a Miami para tratamento. Martine voltou ao país no último sábado (17), usando um colete à prova de balas.

Autoridades haitianas que chegavam ao local não foram muito bem recebidas pela população do lado de fora. O chefe da polícia haitiana, Leon Charles, foi chamado de criminoso e censurado por, segundo seus críticos, não ter sido capaz de proteger Moïse e sua família. "Por que você tem toda essa segurança? Onde estava a polícia no dia do assassinato do presidente?", questionou um manifestante.

​​Conhecido no país como "Homem Banana", devido à carreira que construiu como exportador da fruta antes de entrar na política, Moïse não conseguiu reprimir a violência de gangues que cresceu durante seu mandato e enfrentou grandes protestos contra seu governo devido a acusações de corrupção e de autoritarismo — ele governava por meio de decretos desde o ano passado, após suspender dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos.

Em Cap-Haitien, no entanto, o apoio ao presidente ainda se traduzia, nesta sexta, em cartazes espalhados pelos edifícios da cidade, onde se liam frases em crioulo haitiano, um dos idiomas oficiais do país, como "eles mataram o corpo, mas o sonho nunca morrerá", "Jovenel Moïse, defensor dos pobres" e "obrigado, presidente Jovenel, você deu sua vida pela luta do povo e ela vai continuar".

Moïse foi morto em casa na madrugada do último dia 7. Até agora, não há conclusão sobre quem foi o mandante do assassinato nem a razão do crime. Segundo o governo haitiano, o presidente foi morto por um grupo de mercenários, que incluía militares colombianos aposentados. Mais de 20 pessoas foram presas por conexão com o caso.

Um dos investigados como um dos possíveis mandantes é Claude Joseph, segundo reportagens publicadas na pela imprensa colombiana. A ideia seria prender Moïse, alvo de contestação pela forma autoritária com que governava, mas o primeiro-ministro teria mudado de ideia e resolvido mandar matá-lo.

A polícia haitiana nega que Joseph esteja sob investigação. Ele era premiê interino na ocasião do crime e assumiu o comando do país até a posse de Henry, que, indicado por Moïse, deveria ter assumido o cargo no dia do assassinato. Agora, o ex-premiê é o titular da pasta de Relações Exteriores.


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