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Em Israel, Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro condenam comparação entre Brasil e câmara de gás

Por Folha de São Paulo

07/03/2021 14h32 — em
Mundo



JERUSALÉM, ISRAEL (FOLHAPRESS) - Em visita a Israel, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) criticaram duramente a ideia de que o Brasil "é uma câmara de gás a céu aberto", que faz parte da "Carta aberta à Humanidade", divulgada nesta sábado (6) por religiosos e intelectuais.

Para eles, não se pode comparar o que acontece no Brasil na pandemia de Covid-19 com a metodologia nazista que matou milhões de judeus e outras minorias durante o Holocausto.

"Isso é algo que totalmente extrapola qualquer comparação que possa ser feita. É algo que, no meu entender, violenta a memória das vítimas do Holocausto", disse Ernesto ao final de uma visita à chancelaria israelense, em Jerusalém.

"É uma colocação totalmente absurda e acho que é ofensiva para comunidade judaica de todo o mundo e também para não judeus que, como nós, vemos a especificidade da coisa horrível que foi o Holocausto. Qualquer comparação que banalize, ainda mais uma comparação tão absurda quanto essa, é algo que não ajuda ninguém e que prejudica a ideia do que nunca mais possa haver nada como o Holocausto", continuou o chanceler brasileiro.

O deputado Eduardo Bolsonaro chamou a expressão de "infelicidade não tão inocente", acusando o padre Júlio Lancelloti, um dos signatários da carta, de fazer ataques a seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Ele também deu a entender que comparar a situação do Brasil com a de uma câmara de gás foi intencional no momento em que uma comitiva brasileira está em Israel.

"Foi uma infelicidade da CNBB que não dá para dizer que foi tão inocente assim. Não é a primeira vez que o padre Júlio Lancellotti faz ataques direcionados contra o presidente Jair Bolsonaro, mas esse ficou bem vil, justamente que existe uma comitiva brasileira aqui em Israel, buscando levar para o Brasil medicamentos para combater a Covid", disse.

"Esse tipo de declaração realmente é incabível e causa revolta aqui. Comparar o que foi o Holocausto com mais de 6 milhões de vidas perdidas durante o regime nazista nada tem a ver com atual pandemia."

Segundo o filho do presidente, "o Brasil tem feito seus esforços, tem excelentes números com relação à vacinação e veio aqui [para Israel] procurar mais um remédio para combater a pandemia".

O Brasil tem batido seguidos recordes de mortes por conta do coronavírus. Foram 1.498 novas mortes registradas nas últimas 24 horas. Com isso, neste sábado (6), o país somou mais de 10 mil mortes pela doença em sete dias. Foi a primeira vez desde o início da pandemia que isso acontece.

Na última semana, o país completou ainda sete dias seguidos com novos recordes de média móvel de mortes, com o último alcançado neste sábado (6), de 1.455. O recorde anterior era de 1.423.

A referência à câmara de gás também foi discutida na reunião com o chanceler israelense, Gabi Ashkenazi. "Lamentei muito ler, isso aconteceu durante o nosso encontro e condeno veementemente, fortemente esta linguagem usada, este exemplo. Isso é algo ultrajante. Nós nos opomos fortemente a isso. Usar essa linguagem é algo inaceitável", disse o ministro.

Toda a comitiva brasileira usou máscaras durante o encontro --algo obrigatório em qualquer prédio público em Israel, incluindo em encontros fechados e para fotografias. O ministério israelense, inclusive, preparou máscaras especiais com as bandeiras do Brasil e de Israel para distribuir aos convidados.

Em certo momento, a assessoria da chancelaria israelense precisou pedir que Ernesto Araújo colocasse a máscara para uma foto com o ministro israelense. Ele respondeu "Oh, yes", antes de colocá-la. O deputado Eduardo Bolsonaro também estava de máscara, mesmo ajustando-a muitas vezes no nariz.

Após o encontro, o Itamaraty divulgou uma nota chamando a conversa de "muito amigável e produtiva" e dizendo que haviam sido discutidas "ideias sobre questões urgentes da agenda internacional" e que os países "concordaram em dar prosseguimento à coordenação entre Brasil e Israel".

Além de passarem "em revista caminhos para a recuperação no contexto da pandemia de Covid-19, sob as perspectivas de saúde pública, de progresso tecnológico e de resiliência socioeconômica", segundo o texto, o encontro abordou também os desenvolvimentos recentes no Tribunal Penal Internacional (TPI) e no Conselho de Direitos Humanos (CDH).

Na quarta-feira (3), o TPI anunciou a abertura de uma investigação formal sobre possíveis crimes cometidos tanto por israelenses quanto por palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Israel critica o processo, em objeção apoiada pelo Brasil.

Em fevereiro, o governo brasileiro se alinhou a Israel e encaminhou ofício ao TPI informando que o país queria participar como "amicus curiae" (amigo da corte) na apuração preliminar do caso.

Após a reunião entre os chanceleres --primeiro compromisso da delegação brasileira que chegou a Israel neste domingo (7) para três dias de visita--, a Folha perguntou a Ernesto se o Brasil tem o que aprender com a maneira como Israel tem enfrentado a crise do coronavírus. O país decretou três lockdowns no último ano, mantém a obrigatoriedade de uso de máscaras em todos os locais públicos e privados e é o mais avançado do mundo na campanha de vacinação.

"A situação dos países é bastante diferente em termos de tamanho, em termos de logística", respondeu o ministro. "No Brasil, existe essa circunstância que, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, basicamente cada estado adota suas próprias medidas. Não há uma possibilidade de uma orientação federal".

O chanceler também disse que, assim como Israel, "o Brasil também está em um esforço de vacinação, está progredindo". "Israel é um dos países que estão mais na frente no mundo, mas o Brasil não está atrás de outros grandes países, como os europeus, que estão mais ou menos na mesma faixa em termos de proporção de população vacinada."

O Brasil vacinou, em média, 38,4 pessoas em cada 1.000 habitantes, segundo dados do consórcio de imprensa formado por Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1. Israel é o líder mundial, com 998,8 vacinados em cada 1.000 pessoas. No Brasil, são 49,8.

Há vários países europeus acima de 100 vacinados em cada 1.000 pessoas, segundo dados compilados pelo Our World in Data.

O chanceler brasileiro afirmou que a visita a Israel é justamente para continuar esse esforço contra a Covid-19 e buscar, no país do Oriente Médio, soluções para a pandemia. Um dos objetivos principais da missão é o interesse do governo brasileiro no spray nasal israelense que trataria de doentes graves com a doença. O medicamento foi desenvolvido pelo Hospital Ichilov (Tel Aviv), mas ainda não passou por todas as fases de teste.

"Israel é um dos polos tecnológicos, farmacêuticos, médicos, mais adiantados do mundo. O fato de que estão desenvolvendo medicamentos aqui é algo muito promissor, queremos estar juntos", disse Ernesto.

"O Brasil também tem um esforço nesta área [de tratamento]. Isso não quer dizer que não queiramos trabalhar com a vacina, continuamos trabalhando, existe um cronograma, como o Ministro da Saúde do Brasil tem dito. Então, a nossa cooperação em relação à Covid deve se concentrar, com Israel, nessa questão dos medicamentos. Isso é o que pode fazer a diferença."

Na reunião entre os dois ministros do exterior, que durou pouco mais de uma hora, Brasil e Israel assinaram acordos de cooperação em áreas tecnológicas. O chanceler israelense elogiou a posição do governo Bolsonaro em prol de Israel em fóruns internacionais, mas não deixou de demonstrar a preocupação com o Brasil neste momento da pandemia.

"Temos acompanhado nos últimos dias a situação no Brasil e em nome do povo de Israel, gostaria de expressar minha solidariedade ao povo brasileiro. Tenho certeza de que vocês prevalecerão. Posso prometer a você que Israel fará tudo o que puder para apoiar seus esforços para vencer a Covid. Estamos prontos para ajudar no que for possível. Exploraremos oportunidades de investimento conjunto em pesquisa para desenvolvimento de medicamentos ou outras soluções possíveis para o vírus."

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