Cisjordânia é novo alvo de Israel após cessar-fogo em Gaza
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dois dias após o início do cessar-fogo com o Hamas na Faixa de Gaza e na sequência da posse de Donald Trump como novo presidente americano, o governo de Israel lançou uma grande operação militar na Cisjordânia ocupada.
"Estamos agindo sistematicamente e de forma resoluta contra o eixo iraniano em qualquer lugar no qual ele estenda seus braços, em Gaza, Líbano, Síria, Iêmen, Judeia e Samaria", disse o premiê Binyamin Netanyahu, usando a nomenclatura israelense para a Cisjordânia nas duas últimas citações.
Assim como ocorreu com o Hezbollah no dia em que Israel começou a destruição de sua liderança, em setembro passado, a ação na Cisjordânia foi incluída no rol de objetivos de guerra do gabinete de segurança de Israel.
A informação foi dada pelo ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, último integrante da ultradireita religiosa no colegiado de dez pessoas depois que o radical Itamar Ben-Gvir (Segurança) deixou o governo em protesto pelo cessar-fogo em Gaza.
A ação é centrada em Jenin, foco de grupos de resistência armada ao Estado judeu na região. Para líderes locais, contudo, o objetivo é outro: tornar a vida insustentável para os palestinos e abrir caminho para mais assentamentos judaicos ilegais na Cisjordânia.
Segundo nota das Forças de Defesa de Israel, a operação envolve militares, forças especiais do serviço de segurança interna Shin Bet e policiais de fronteira. O Ministério da Saúde palestino disse inicialmente que morreram ao menos 4 pessoas, e outras 35 foram feridas.
A Folha falou com um líder comunitário no campo de refugiados da cidade, que disse haver "um enxame de soldados" na rua. Ele, que pediu anonimato, disse que a operação começo no início da manhã desta terça (21), madrugada no Brasil, com explosões. Foram empregados drones e helicópteros de ataque Apache na operação. Depois, vieram os soldados, alguns blindados e escavadeiras militares.
Segundo o Exército israelense, a "operação antiterrorismo" terá "duração indeterminada". Não é a primeira do tipo: desde 2022 houve um aumento dessas ações, com diversas mortes relatadas do lado palestino. No ano passado, ficou notório o caso em que soldados jogaram o corpo de um jovem morto do telhado de uma casa em Jenin.
O campo de refugiados da cidade, o mais importante e empobrecido dos 19 da Cisjordânia, também serve de base para lideranças de grupos como o Jihad Islâmico, como a reportagem pôde constatar durante visitas em setembro passado.
A terminologia em si é enganosa: trata-se de um bairro urbanizado, que se mistura à cidade, tendo crescido à volta de tendas de refugiados árabes nos anos 1950.
Moram lá cerca de 15 mil dos 50 mil habitantes de Jenin, terceira maior cidade da Cisjordânia, território que é administrado na teoria pela ANP (Autoridade Nacional Palestina) o rival Hamas dominava Gaza desde 2007, mas agora é incerto o que irá acontecer na faixa arrasada pela guerra iniciada depois que os terroristas do grupo atacaram Israel em 7 de outubro de 2023.
O emprego de escavadeiras permite prever a repetição daquilo que a Folha viu quando esteve em Jenin: a destruição de ruas inteiras, sob o pretexto de procurar explosivos escondidos. O resultado prático é a obliteração do próprio conceito de ir e vir.
O contexto agora é diferente. O cessar-fogo de seis semanas em Gaza, ainda em sua etapa embrionária de troca de reféns do Hamas por prisioneiros palestinos, permite ao governo de Netanyahu voltar seus olhos e armas com mais atenção à Cisjordânia.
É música para os ouvidos da ultradireita que o apoia no Parlamento, mas que protesta contra o cessar-fogo por considerar que ele liberta assassinos e bloqueia a possibilidade de ocupar o norte de Gaza com colônias judaicas.
Como citou Netanyahu em sua nota, o Oriente Médio é outro depois do 7 de Outubro. Hamas e Hezbollah foram muito degradados, a ditadura síria caiu e Tel Aviv ocupou mais território do vizinho, e Israel ataca os rebeldes houthis do Iêmen. Em comum, todos são adversários do Estado judeu bancados pelo Irã, que está em retirada estratégica.
A situação também explicita a precariedade da ANP, que os EUA querem ver reformada para cuidar também da Faixa de Gaza. Os palestinos nada podem fazer contra a presença militar israelense, que vai além daquilo que foi permitido pelos acordos de paz dos anos 1990.
E há o fator Trump. Em conversa com jornalistas enquanto assinava sua sequência de decretos na noite de segunda (20), o americano disse que não "está confiante" nas chances de o cessar-fogo sobreviver às suas três fases previstas.
"Não é nossa guerra, é deles. Não estou confiante. Mas acho que eles estão bastante enfraquecidos do outro lado", disse, referindo-se ao Hamas. A fala faz crescer a suspeita de que Netanyahu, um aliado que foi forçado por Trump a aceitar o cessar-fogo, não pretende cumprir todo o acordo mediado pelos EUA, Qatar e Egito.
Sob essa visão, após os 98 reféns, vivos ou não, serem libertados, a guerra recomeçaria. Este é inclusive o desejo da ultradireita de Ben-Gvir e Smotrich. O ministro que deixou o governo, levando outros dois companheiros de partido, não rompeu o apoio parlamentar ao premiê.
Até aqui, foram libertadas três reféns do 7 de Outubro e 90 prisioneiros palestinos. No fim de semana, deve haver mais trocas.
Os efeitos colaterais da longa crise seguem em curso. Nesta terça, o chefe do Estado-Maior das forças israelenses, Herzi Halevi, anunciou que deixará o posto em 6 de março. Segundo ele, o motivo é o fracasso dos militares em prevenir o 7 de Outubro.

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