Cerco a embaixada protegida pelo Brasil foi definidor para exílio de González, diz defesa
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - "Eles realmente não têm limites"; "terei de reavaliar o plano de seguir na Venezuela". Os comentários ao telefone foram feitos por Edmundo González a seu advogado, Jose Vicente Haro, 50, nas horas que se seguiram o cerco dos órgãos de segurança de Caracas à embaixada da Argentina, sob os cuidados do Brasil, há uma semana.
Proeminente defensor de presos políticos, Haro, que está sob proteção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, conta à reportagem que o assédio à sede diplomática que abriga seis asilados políticos opositores do regime de Nicolás Maduro foi a gota d'água para o exílio de González. Naqueles dias a ditadura chavista retirou a custódia brasileira da embaixada.
"Influenciou muito [na decisão de exilar-se]. Ao longo daquela semana, ele já sentia que a pressão havia aumentado. Mas o assédio dos órgãos de segurança do Estado foi um sinal do que o oficialismo era capaz de fazer", diz o advogado.
González estava havia poucos dias na embaixada da Espanha após deixar a representação da Holanda, onde ficou escondido por semanas. O chefe da embaixada holandesa na ocasião não comunicou ao regime que o opositor estava ali, arcando com o custo político de descumprir uma das regras diplomáticas, diz Haro.
No momento do cerco à embaixada argentina, González entendeu que mesmo representações diplomáticas, protegidas internacionalmente, não estariam a salvo. Horas após falar com seu advogado, saiu do país. Destino: Madri.
Haro afirma que, embora tenha sido apontado pela oposição venezuelana e por boa parte da comunidade internacional como o verdadeiro vencedor da eleição de 28 de julho, González foi "quebrado psicologicamente" e temia especialmente por sua esposa, Mercedes.
Ela ainda vivia na casa dos dois, cercada pelos órgãos de segurança. Foi comunicada da partida pelo marido na manhã do sábado (7) e teve duas horas para arrumar as malas. "Ele não estava em condições psicológicas de exercer seu livre arbítrio sem pressões", conta o advogado.
A negociação para obter o salvo-conduto do regime para ir à Espanha envolveu chantagens às quais o diplomata González não sucumbiu, afirma Haro. "Exigiram que aceitasse a decisão do Tribunal Supremo de Justiça que diz que Maduro ganhou as eleições e que se retirasse da política; sentiram que tinham vantagem no momento."
O líder opositor perguntou a seu advogado se, legalmente, o regime poderia avançar sobre as representações diplomáticas. Haro disse ter explicado que, no miúdo da lei, não. Mas não era como se o Estado de Direito estivesse sendo cumprido na Venezuela.
Pouco após González sair do território venezuelano, o procurador-geral, Tarek William Saab, afirmou que anularia as acusações contra o opositor, alvo de um mandado de prisão, relacionadas à plataforma online em que a oposição compartilhou as atas eleitorais que coletou junto às suas testemunhas de votação. Mas, até aqui, não o fez. "Até esta data nada foi encerrado, e segue o mandado de prisão", afirma Haro.
Em breve, González deve ter seu asilo político formalizado pela Espanha, lar de cada vez mais refugiados venezuelanos, e então poderá articular-se com outros líderes políticos de forma mais ativa. Haro diz que ele não tem pretensão de pedir nacionalidade espanhola, ainda que sua esposa, suas duas filhas e seus quatro netos a tenham.
"A lei venezuelana estabelece como condição de elegibilidade que não se tenha outra nacionalidade, por isso essa opção está totalmente descartada", afirma. González, diz ele, segue com planos de assumir a Presidência. Como? "Os próximos meses dirão."
Quando a reportagem pergunta se há possibilidade de criação de um governo paralelo, aos moldes do feito no passado pelo então presidente da Assembleia Juan Guaidó, Haro diz não ver nenhum anseio desses por seu cliente. "Essa fórmula mostrou que não gera nenhum resultado político e não tinha nenhuma base constitucional", afirma. "Edmundo González, posso dizer, segue as regras."
González é mais um das centenas de perseguidos políticos do regime chavista que Jose Vicente Haro defende. Formado em direito constitucional e ciência política, ele já defendeu 337 casos de pessoas que qualifica como vítimas de prisões políticas e arbitrárias.
Eram estudantes, sindicalistas, trabalhadores. Todos foram colocados em liberdade. Apenas um segue na Venezuela. "Todos os demais se exilaram. Alguns eram menores de idade, uma coisa horrível."
Em 2007, ele esteve à frente da estratégia judicial do movimento estudantil universitário que questionou a mudança constitucional proposta por Hugo Chávez (1954-2013). "Tinha um recorte socialista radical, quase comunista, não era algo democrático." A mudança foi rechaçada num referendo popular.
Para Haro, o regime de Nicolás Maduro se assemelha ao do ditador soviético Josef Stálin. "O regime stalinista se baseava em um 'estado geral de suspeita'. Os cidadãos não podiam opinar. Todos eram culpados a menos que se comprovasse o contrário."
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