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Biden completa 1 ano no cargo após 'parar a loucura', mas sem vencer Covid e inflação

Por Folha de São Paulo

19/01/2022 19h05 — em
Mundo



WASHINGTON, USA (FOLHAPRESS) - Quando chegou ao Salão Oval como presidente pela primeira vez, há um ano, Joe Biden tinha como principais desafios vencer a Covid, recuperar a economia americana e tentar pacificar as brigas internas na sociedade e na política dos Estados Unidos. Um ano depois, a lista continua praticamente a mesma, agravada pela tensão política inclusive entre os democratas.

Um sinal claro da polarização foi dado no último 6. A maioria dos congressistas republicanos não compareceu às cerimônias que lembraram as cinco mortes durante a invasão do Congresso por apoiadores de Trump. Alguns ainda acusaram a Casa Branca de politizar a data.

Biden aproveitou aquele discurso para deixar de lado o tom conciliador e fez ataques diretos a Trump, chamando-o de "ex-presidente derrotado" --antes, buscava agir como se o antecessor não existisse.

"O presidente Biden disse que iria tentar unir o país. Seus comentários [recentes] não sugerem que ele esteja tentando nos unir de novo", disse o senador republicano Mitt Romney. "Ele tem que reconhecer que, quando foi eleito, as pessoas não esperavam que ele transformasse a América. Elas queriam voltar ao normal, parar a loucura."

A posse do democrata de fato devolveu à Casa Branca uma rotina de normalidade. Trump atacava adversários ("Hillary devia ser presa"), mentia ("foi a maior posse da história"), atacava a imprensa ("inimigos do povo") e lançava propostas absurdas ("e se comprarmos a Groenlândia?") com alguma frequência. Muitas dessas mensagens vinham pelas redes sociais, às vezes de madrugada.

Já o governo Biden é marcado por certa previsibilidade, com ações anunciadas quase sempre de forma antecipada para a imprensa e espaços para perguntas de jornalistas. O presidente busca um trato polido em público, com tom conciliador, e defende em suas falas os direitos de minorias.

Previsibilidade, porém, não implica vencer sempre. Biden não conseguiu unir o país em torno do combate à Covid, por exemplo. Ele fez inúmeros discursos para convencer os americanos a se vacinar, mas a taxa de plenamente imunizados estagnou em 63%, enquanto governadores republicanos tomam medidas contra a obrigatoriedade de máscaras.

As altas de contágio geram efeitos também na economia, com falta de trabalhadores em várias áreas e falhas na cadeia de suprimentos. A inflação de 7% ao ano, percentual não visto no país desde os anos 1980, corrói o poder de compra dos americanos.

Em discurso para marcar um ano de mandato, nesta quarta (19), Biden disse que seu governo fez enormes progressos, como ter vacinado 210 milhões de americanos, reduzido a pobreza infantil em 40% e criado 6 milhões de empregos em 2021, recorde no país. E reconheceu que a pandemia ainda é um grande desafio.

"A Covid não irá embora imediatamente. Mas estamos indo para um tempo em que ela não vai mais dificultar nossa rotina diária, mas será algo do qual podemos nos proteger. Estamos em um lugar muito melhor do que há um ano. Não vamos recuar para lockdowns e fechar escolas."

Para melhorar a economia, ele defende mais investimentos em infraestrutura, de modo a ampliar a produtividade, e benefícios sociais para famílias pobres e de classe média. Mas um amplo pacote de benefícios sociais, de quase US$ 2 trilhões, está travado há meses no Congresso, por falta de acordo entre os democratas.

Questionado se toparia reduzir o tamanho das propostas, Biden disse não. "Eu não estou pedindo por castelos no céu, mas por coisas factíveis, pelas quais os americanos esperam há muito tempo."

Em meio a cenas de hospitais cheios e prateleiras de mercado vazias, sua aprovação estagnou em torno de 43% --ao tomar posse, era de 55%. Nos primeiros meses de governo, a vacinação contra a Covid avançou rapidamente, a economia mostrava sinais de recuperação e as atividades presenciais eram retomadas. Em março, Biden aprovou um pacote de resgate econômico e de combate à pandemia, de US$ 1,9 trilhão, que resultou em mais dinheiro enviado diretamente para famílias americanas.

Um efeito indireto desse auxílio, ainda em estudo, é que mais pessoas decidiram deixar empregos em que ganhavam pouco, em um movimento apelidado de "great resignation" (grande renúncia). O número de pedidos de demissão superou 4 milhões por mês.

Biden esperava que o feriado de 4 de Julho fosse marcar a independência da pandemia, mas não foi bem assim. Já em junho, o ritmo da vacinação estagnou, antes que metade dos americanos estivesse plenamente imunizada. Ao mesmo tempo, o número de casos de Covid voltava a subir. O país não fechou as atividades, mas milhares de pessoas morreram.

Em agosto, o democrata teve de lidar com sua maior crise até agora: a saída caótica das tropas americanas do Afeganistão, que terminou com o Talibã retomando o controle do país. A cena de moradores locais tentando se agarrar a aviões em movimento chocaram. A experiência de Biden, que passou anos lidando com questões internacionais como senador e vice-presidente, tampouco o salvou.

Ele veio a público diversas vezes tentar explicar os erros no Afeganistão, mas sua aprovação despencou. A partir de setembro, Biden buscou se concentrar na aprovação de dois pacotes trilionários de investimentos. Um deles, de infraestrutura, foi aprovado em novembro e prevê quase US$ 2 trilhões de gastos.

Para Sérgio Amaral, pesquisador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e ex-embaixador do Brasil nos EUA, a aprovação do pacote com apoio republicano foi um sinal de que Biden conseguiu romper algumas resistências. "Existe um grande número de republicanos que ainda defendem as posições de Trump. Mas, pelos números, o ex-presidente não teve aumento de apoios: dois terços do eleitorado republicano ainda o defendem, mas são só cerca de 30% dos americanos."

O texto do pacote de infra só alcançou um acordo após a derrota democrata na eleição estadual da Virgínia, em novembro. Biden se engajou pessoalmente na campanha, mas não evitou a vitória republicana, embalada por questões de comportamento e pelas chamadas guerras culturais. Ao tomar posse como governador, Glenn Youngkin determinou o fim da exigência de máscaras em salas de aula.

Outras propostas do presidente seguem travadas no Congresso. Após semanas de impasse, Biden começou 2022 defendendo mudanças nas regras do Senado, para evitar que a minoria republicana possa obstruir projetos importantes, e alterações nas leis eleitorais do país, para ampliar o acesso ao voto. A proposta pretende unificar regras eleitorais em todo o país --hoje cada estado define as suas. Republicanos dizem que essa é uma tentativa de cercear a autonomia dos entes subnacionais, um dos pilares da fundação do país.

"Biden e [Kamala] Harris fizeram campanha falando em resolver a desigualdade, especialmente racial. Mas vimos que o dinheiro que deveria ir para fazendeiros negros não chegou a eles. E questões sobre reforma da polícia não chegaram ao Senado", avalia Rashwan Ray, professor de sociologia da Universidade de Maryland e associado do Instituto Brookings. "Essas expectativas frustradas devem preocupar os democratas nas próximas eleições."

Em 2022, Biden tem como grande desafio o pleito legislativo de meio de mandato, em novembro, quando seu partido poderá perder as estreitas maiorias que possui no Congresso --o que levaria a uma reta final de mandato com pouco poder de ação. O resultado pode definir com que cara Biden entrará no Salão Oval em 20 de janeiro de 2023.


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