Putin deve ter ordenado envenenamento de agente duplo em 2018, aponta Reino Unido
Por Michael Holden
LONDRES, 4 Dez (Reuters) - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, deve ter ordenado o ataque com uma substância tóxica contra o agente duplo russo Sergei Skripal em 2018, numa demonstração "imprudente" de poder que levou à morte de uma mulher inocente, concluiu uma investigação pública do Reino Unido nesta quinta-feira.
Skripal foi encontrado inconsciente, juntamente com sua filha Yulia, em um banco público na cidade de Salisbury, no sul da Inglaterra, em março de 2018, após um agente químico da família Novichok ter sido aplicado na maçaneta da porta da frente de sua casa, que ficava nas proximidades.
Cerca de quatro meses depois, Dawn Sturgess, de 44 anos e mãe de três filhos, morreu devido à exposição ao veneno, após seu companheiro encontrar um frasco de perfume falsificado que espiões russos haviam usado para contrabandear o agente nervoso de uso militar para o país, segundo a investigação.
EVIDÊNCIAS DO ENVOLVIMENTO DA RÚSSIA
Os Skripal e um policial que foi à casa deles ficaram gravemente doentes devido aos efeitos da substância, mas se recuperaram.
Em suas conclusões, o presidente da comissão, o ex-juiz da Suprema Corte do Reino Unido Anthony Hughes, afirmou ter certeza de que uma equipe de oficiais da inteligência militar GRU tentou assassinar Skripal, que vendeu segredos russos para o Reino Unido e se mudou para o país após uma troca de espiões, em 2010.
"Concluí que a operação para assassinar Sergei Skripal deve ter sido autorizada no mais alto nível, pelo presidente Putin", disse Hughes em seu relatório.
"As evidências de que este foi um ataque do Estado russo são esmagadoras."
A Rússia sempre negou qualquer envolvimento, classificando as acusações como propaganda anti-russa. A embaixada russa em Londres não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Hughes afirmou que os dois russos que espalharam Novichok na porta de Skripal descartaram o frasco contendo o veneno sem se importar com o perigo que representava para pessoas inocentes.
A investigação apurou que o frasco de perfume contaminado continha veneno suficiente para matar milhares de pessoas.
Essas ações "incrivelmente imprudentes" significavam que os potenciais assassinos, seus superiores no GRU e aqueles que autorizaram o ataque, até o próprio Putin, tinham responsabilidade moral pela morte de Sturgess, disse Hughes.
NOVAS SANÇÕES
A polícia britânica já indiciou à revelia os três suspeitos de integrarem a equipe russa de assassinos.
Na quinta-feira, o governo anunciou novas sanções contra a agência de inteligência GRU e convocou o embaixador russo devido ao que chamou de "campanha contínua de atividades hostis" de Moscou.
"O Reino Unido sempre se oporá ao regime brutal de Putin e denunciará sua máquina assassina pelo que ela é", disse o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, em um comunicado.
O incidente de Salisbury desencadeou as maiores expulsões diplomáticas entre o Leste e o Oeste desde a Guerra Fria. As relações entre Moscou e Londres se deterioraram ainda mais com a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. O Reino Unido tem fornecido ajuda militar a Kiev.
Dois dos russos acusados pelo Reino Unido de terem realizado o envenenamento apareceram posteriormente na televisão russa para negar envolvimento, alegando serem turistas inocentes que visitavam a catedral da cidade. Os três negaram qualquer participação.
DECLARAÇÃO PÚBLICA
Hughes afirmou que a Rússia tinha um "apetite por risco crescente", citando a anexação da Crimeia e a queda do avião de passageiros da Malaysia Airlines, ambos em 2014, e disse que o ataque deveria servir como uma demonstração clara do poder russo.
"O ataque da Rússia contra Sergei Skripal não foi, ao que tudo indica, uma simples vingança, mas sim uma declaração pública, tanto para consumo internacional quanto interno, de que a Rússia agirá com firmeza naquilo que considera seus próprios interesses", diz o relatório.
Embora Putin já tivesse denunciado Skripal como traidor, a investigação afirmou que não havia nada que sugerisse que o agente duplo estivesse em risco iminente ou que mais pudesse ter sido feito para protegê-lo.
O relatório desta quinta-feira é a segunda grande investigação a culpar Putin por ataques em solo britânico contra inimigos.
Uma investigação realizada em 2016 concluiu que Putin provavelmente ordenou o assassinato, em Londres, de Alexander Litvinenko, um dissidente russo e ex-agente do serviço de segurança FSB, utilizando polônio-210 radioativo.
(Reportagem de Michael Holden)
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