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Obama deixa marca de carisma, informalidade e estilo no governo

Por Agência O Globo

07/01/2017 18h01 — em
Mundo



WASHINGTON - A uma plateia de quatro mil pessoas, boa parte delas, crianças, Barack Obama apareceu vestindo roupas informais, ao lado de sua mulher, Michelle, e explicou que o casal andava “treinando uma dancinha”. O presidente americano então começou a tremelicar como um zumbi e reproduziu — um tanto desengonçado — a coreografia do videoclipe de “Thriller”, de Michael Jackson.

A brincadeira, registrada por câmeras e celulares, aconteceu na festa de Halloween da Casa Branca, no fim de outubro. Seis meses antes, Obama dançou “Uptown funk” ao lado de Michelle, R2-D2 e dois StormTroopers. Há um ano e meio, cantou “Amazing Grace” no funeral de um pastor negro que havia sido assassinado. Há três anos, divulgou um vídeo correndo de terno pela Casa Branca, para incentivar uma campanha contra a obesidade infantil. Há sete, interrompeu uma entrevista na TV para matar uma mosca.

Obama vem, há oito anos, dançando, cantando, contando piadas, posando ao lado de artistas e esportistas e interpretando o papel de presidente mais pop da História dos EUA. Para cada situação em que ele deixa de lado a pose de seriedade que seu cargo exige, milhares de vídeos, posts e reportagens correm o mundo. E aumentam sua popularidade.

A fama de ícone cultural começou já no baile de posse de seu primeiro mandato, em janeiro de 2009: anunciado pelo ator Denzel Washington, Obama discursou e depois dançou com Michelle enquanto Beyoncé cantava o clássico “At last”.

— Eu nunca havia conhecido alguém que é sempre tão autêntico atrás e na frente da câmera. É uma qualidade rara de Barack Obama e que o permite encarar qualquer situação sem medo — afirma o cineasta americano Arun Chaudhary, em entrevista ao GLOBO. — Além disso, vivemos numa era do pós-broadcast, em que não é mais possível emitir uma mensagem de uma vez para uma população inteira. Independentemente do que você quer comunicar, muitas vezes é preciso ocupar espaços apolíticos para chegar às pessoas.

Arun trabalhou na campanha democrata de 2008 e, depois, foi contratado como o primeiro cinegrafista oficial da Casa Branca. Ele permaneceu na função até 2011 e foi responsável pela criação de um produto que alimentou esse lado pop de Obama: a websérie “West Wing Week”, toda feita com imagens da rotina do presidente, da primeira-dama e eventualmente do vice. Até aqui foram produzidos mais de 300 episódios. O último, uma compilação dos melhores momentos do presidente, foi publicado na internet em 30 de dezembro.

 

Os críticos de Obama, contudo, acusam a série de ser apenas uma propaganda de seu governo, assim como dizem que as quebras de protocolo não passam de jogadas de marketing para angariar apoio popular. Arun, que em 2012 lançou o livro “First cameraman: documenting the Obama Presidency in real time”, rebate:

— Se “West Wing Week” é propaganda? Assim como a pornografia, propaganda é uma palavra difícil de definir, mas sabemos do que se trata quando vemos uma. Para mim, propaganda é pegar algo mundano e torná-lo extraordinário, e não era isso que fazíamos. Era o contrário. “West Wing Week” partia de uma situação extraordinária, como a Presidência, e a tornava acessível.

Obama não foi o primeiro presidente americano a se posicionar como uma estrela pop frente aos meios de comunicação, e tampouco foi o primeiro a receber críticas por isso. A diferença está na capilaridade da tecnologia de hoje, que permite uma penetração muito maior nos corações e mentes das pessoas. Um exemplo? Em duas ocasiões, Obama foi ao programa de entrevistas de Jimmy Kimmel, bastante popular nos EUA, e topou participar de um quadro chamado “Tweets malvados”, em que o convidado lê mensagens negativas contra si mesmo. Da primeira ocasião, em março de 2015, seu vídeo no YouTube totaliza hoje quase 50 milhões de visualizações. A segunda foi no fim de outubro — nesta, ele leu até um Tweet de Donald Trump o chamando de “talvez o pior presidente da História dos EUA” —, e em uma semana alcançou 13 milhões de reproduções.

— É impossível separar o público do privado numa pessoa que ocupa uma posição como a Presidência — afirma o escritor e ensaísta americano Andrew Solomon. — Eu acredito que Obama tenha uma inclinação natural a dançar, contar piadas e cantar, e acredito também que ele saiba que essa inclinação serve a seu processo político. Ele é basicamente autêntico, e é por isso que passou oito anos no cargo mais público do mundo sem sequer um cheiro de escândalo. Você não consegue isso se estiver projetando uma ficção, porque, em algum momento, o castelo de cartas desmorona. Mas você pode utilizar esse talento para costurar a verdade que quer mostrar.

 

Antes de Obama, Franklin D. Roosevelt tentou algo semelhante, mas com o rádio. Único americano eleito quatro vezes à Presidência, Roosevelt teve um programa de rádio entre os anos 1930 e 1940, chamado “Fireside chats” (”Conversas ao pé da lareira”), em que, entre outros temas, explicava para os americanos suas políticas de recuperação econômica. Foi a primeira vez que boa parte da população pôde ouvir a voz de um presidente.

Anos depois, veio a TV. Em 1960, pela primeira vez a televisão americana transmitiu um debate eleitoral ao vivo, entre John F. Kennedy e Richard Nixon. O segundo era vice-presidente de Dwight D. Eisenhower, mas vinha de uma gripe; enquanto que o primeiro era um jovem senador bonitão. Na apresentação de propostas, ambos se equilibraram, tanto que pesquisas entre os ouvintes de rádio apontaram empate ou até uma leve preferência por Nixon. Só que, entre os espectadores da TV, a vantagem foi para Kennedy, que acabou eleito.

Em seguida, apoiado por sua desenvoltura televisiva e pela imagem de família perfeita que tinha com a mulher, Jacqueline, Kennedy se tornou um ícone. O próprio pedia que suas entrevistas coletivas fossem transmitidas ao vivo. Se houvesse YouTube na época, a cena em que Marilyn Monroe cantou um “Happy Birthday” extremamente sensual, no aniversário do presidente, teria derrubado a internet. Irônica e tragicamente, o assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, também foi filmado.

— Estudos mostram que, hoje, Lincoln perderia a eleição. Deixou-se de avaliar o potencial do candidato, e se passou a valorizar a beleza, a oratória e a performance — afirma Wagner Pinheiro Pereira, historiador da UFRJ e autor de “O Poder das Imagens: Cinema e Política nos Governos de Adolf Hitler e de Franklin D. Roosevelt”. — A transformação do político num astro pop, numa figura midiática, começa no início do século XX, quando a imprensa passa a publicar charges e depois fotografias. Ali a política passou a ser personalizada.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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