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Simone Biles volta, leva bronze na ginástica e se despede das Olimpíadas num novo papel

Por Folha de São Paulo

03/08/2021 20h37 — em
Esportes



TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Quando Simone Biles entra em ação, é normal que todo o ginásio pare para observar a melhor ginasta do mundo. Nesta terça-feira (3), porém, a subida da americana na trave do centro de ginástica de Ariake não foi acompanhada pela expectativa de mais um show.

Havia tensão generalizada para saber como Biles se apresentaria após se afastar das provas nas Olimpíadas de Tóquio em busca de preservar sua saúde mental e física —ela vinha sofrendo com um fenômeno de desorientação espacial relativamente comum na ginástica e que a colocava em risco.

Maior estrela dos Jogos, Biles voltou a competir após uma semana na qual abriu mão de quatro finais. Despediu-se com uma medalha de bronze. O ouro foi para Guan Chenchen, e a prata, para Tang Xijing, ambas da China. A brasileira Flavia Saraiva terminou na sétima posição.

"Fiquei muito feliz por poder competir, independentemente do resultado. Fiz isso por mim e estou orgulhosa por ser capaz de competir mais uma vez", disse. “Todos os dias eu tinha que ser avaliada pelos médicos, tinha duas sessões com um psicólogo esportivo que me ajudou a me manter mais equilibrada."

O domínio de Biles nas grandes competições de ginástica começou em 2013. Desde então, foram 25 medalhas em Campeonatos Mundiais, 19 de ouro. Nas Olimpíadas do Rio, há cinco anos, a americana subiu cinco vezes no pódio, com quatro medalhas de ouro e uma de bronze. Agora, no Japão, esperava-se a confirmação dessa performance dominante.

Sua primeira apresentação em Tóquio foi em 25 de julho. A atleta classificou-se para as finais de todos os aparelhos, mas cometeu erros que não costuma cometer. Avançou com a melhor nota geral e no salto. No solo, em que sobrou contra as rivais nos últimos anos, terminou na segunda posição. Na trave, foi sétima, e nas barras assimétricas, décima.

Dois dias depois, na competição por equipes, as americanas começaram pelo salto. Biles foi para a primeira apresentação, errou a chegada e recebeu uma nota baixa. Na sequência, vestiu o agasalho e não voltou a executar nenhum movimento nos outros aparelhos. Desistiu da disputa e foi substituída no time dos EUA, que perdeu para as russas e ficou com a prata.

As suspeitas de que ela tivesse alguma lesão foram descartadas pela própria atleta na sequência, em entrevista que concedeu ainda no ginásio. “Fisicamente, me sinto bem", disse Biles ao canal americano NBC. "Emocionalmente, varia com a hora e o momento. Ser a estrela principal das Olimpíadas não é uma tarefa fácil. Então estamos apenas tentando viver um dia de cada vez. Veremos.”

Subitamente, a maior estrela dos Jogos transformou as expectativas pelo seu desempenho esportivo num grande debate sobre saúde mental no esporte de alto rendimento. “Temos que nos concentrar em nós mesmos, porque no fim das contas também somos humanos”, disse Biles. “Portanto, temos que proteger nossa mente e nosso corpo, em vez de apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos.”

Desde então, ela abriu mão de competir em quase todas as finais para as quais havia se classificado: individual geral, salto, solo e barras assimétricas. Na segunda (2), a federação americana, que afirmou apoiar totalmente a atleta em suas decisões, confirmou seu retorno para a trave, no último dia de programação da modalidade nos Jogos. Após ter falado de forma mais genérica sobre as questões de saúde mental, Biles contou nas suas redes sociais que vinha sofrendo de um problema de desorientação espacial conhecido no meio da ginástica como “twisties”.

"É uma coisa que você não tem controle. Você sabe fazer o movimento, mas na hora dá um branco na cabeça, ou então você está fazendo o movimento e sua cabeça para. O risco não é bobo, é risco de vida, de poder se machucar ou acabar com sua carreira", explicou nesta terça Flavia Saraiva.

Após o bronze, Biles definiu a sensação como de desconexão entre seu corpo e sua mente.

"Eu estava OK por perder as finais porque sabia que, fisicamente, não poderia fazer isso. Mas eu precisava entender por que o meu corpo e minha mente não estavam em sincronia. O que aconteceu? Eu estava muito cansada? Eu treinei a minha vida toda, estava pronta, mas algo aconteceu, fora do meu controle. Mas, no fim das contas, a minha saúde significa mais do que qualquer medalha."

Os movimentos que a ginasta executa sobre a trave, embora requeiram muita precisão, são menos acrobáticos e envolvem menos giros do que nos demais aparelhos. Isso possivelmente influenciou a decisão por voltar a competir nessa prova, apesar de nunca ter sido a mais dominante da americana.

Biles entrou no ginásio como terceira da fila, posição que indicava a ordem em que iria competir. Com olhar compenetrado, acenou para as câmeras e logo começou o aquecimento.

Enquanto a canadense Ellie Black e a chinesa Tang Xijing se apresentavam, a americana conversou bastante com seus treinadores, principalmente com Cecile Landi. A demora para que saísse a nota da chinesa elevou a tensão da expectativa pela sua entrada.

Quando chegou a hora, Biles fez uma apresentação segura —a nota de dificuldade, 6.100, ficou quatro décimos abaixo da série da classificação— e aparentou satisfação. Ao sair, num movimento mais simples do que costuma fazer para evitar os giros, arrancou muitos aplausos. Sua expressão era de alívio.

O sorriso diminuiu quando soube que não seria o suficiente para ultrapassar Xijing, mas Biles continuou de pé, apoiando a companheira americana Sunisa Lee, conversando com os técnicos e cumprimentando as outras competidoras, que também festejavam seu retorno. "Ela tem um poder de fala muito grande, mais do que qualquer outro atleta. Então poder falar o que realmente acontece na vida dos atletas é muito importante. Ela fala ‘eu vou proteger a pessoa Simone’, e é isso o que a gente tem que fazer", disse Flavia.

Após pautar as Olimpíadas em temas que vão muito além de suas acrobacias e terminar o evento com duas medalhas –nenhuma de ouro–, Biles se despede de Tóquio subvertendo o papel reservado a sua grande estrela. Questionada sobre uma possível participação em Paris-2024, disse que o tema não está na sua cabeça neste momento. Por ora, seus próximos passos profissionais terão que esperar.

"Eu não sei como estou me sentindo agora. Só preciso voltar para casa e trabalhar em mim mesma, me sentir OK com tudo o que está acontecendo", afirmou.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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