'Daronco da várzea' é bombeiro e virou árbitro por acaso
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Rodrigo Soliman dos Santos é mais um exemplo de quem cresceu amando futebol e sonhou, um dia, virar jogador profissional antes de embarcar em uma profissão menos midiática. A história do morador zona leste de São Paulo, no entanto, traz um complemento curioso: além de bombeiro civil há 15 anos, ele é árbitro de futebol amador e com apelido respeitável: Daronco da várzea.
UM ÁRBITRO-BOMBEIRO
Digão concilia sua rotina entre resgatar pessoas e mediar jogos de futebol. A escala de 12 por 36 no serviço dá brechas para que o paulistano consiga engatar outro hobby: o de juiz em jogos de várzea.
A vida como árbitro começou por acaso. Depois de fazer testes em dois times da região (União Mogi e Portuguesa), o então goleiro trocou as luvas pelo apito durante uma partida realizada em um festival.
"Fui jogar bola e, por ironia do destino, o árbitro faltou. Era um amistoso dentro de um festival. Na decisão para achar alguém, levantei a mão e falei que até apitaria, mas que se xingassem minha mãe, eu iria embora. Acabou dando certo. Fiz o jogo e foi tranquilo, o pessoal elogiou bastante", diz Digão à reportagem.
Dias depois, Digão recebeu novos convites para atuar na arbitragem ele chegou a trabalhar como bandeirinha, mas uma nova lesão do juiz de campo abriu brecha para ele se fixar como responsável pelo apito.
Mesmo diante dos elogios, o "Daronco da várzea" nunca tentou virar um árbitro profissional. "Pensei que não seria duradouro. Achei na verdade que seria uma renda extra, na época, mas depois as coisas foram se encaminhando. Hoje, de tanto as pessoas falarem, até penso um pouco mais, mas a idade já passou", explicou ele, que tem 43 anos.
A alusão a Anderson Daronco, aliás, surgiu pelo porte físico do paulistano, que é apenas um ano mais novo em relação ao gaúcho do quadro da Fifa.
"O apelido me pegou de surpresa porque eu chegava no campo e algumas pessoas falavam: 'olha o Daronco da várzea'. Tem o pessoal que faz a cobertura também, e isso acabou pegando. Apelido, quando pega, não tem jeito. Até dentro do gramado, às vezes, os atletas falam: 'pô, Daronco, não foi nada'. Estou acostumado, é gratificante. Não sei se é pelo tamanho, apesar de o Daronco ser maior, mas é bom ser comparado por um profissional de referência", afirma Digão.
Só em 2024, Digão apitou 24 finais do futebol amador. Neste ano, ele comanda uma média de nove jogos por semana em alguns dias, portanto, chega a ser juiz em dois jogos em sequência.
O "Daronco da várzea", que nesta sexta-feira (24) possui uma empresa de arbitragem, tem novo compromisso nesta sexta-feira (24). Ele vai comandar a final Champions Lines Motiva, disputada entre Trem Bala FC e Esquadrão, no CDC Júlio Botelho, no bairro da Penha, torneio da ViaMobilidade e ViaQuatro.
O QUE MAIS DIGÃO FALOU?
Vida corrida. "Nas minhas folgas, assumo os compromissos dos jogos. Quando não dá, de vez em quando saio depois de 12 horas do trabalho e vou direto para o gramado. São duas profissões de adrenalina e emoções."
Quem paga mais? "A arbitragem ainda não é minha principal fonte de renda. O dos bombeiros é o garantido, mas tenho que ser sincero: o trabalho de arbitragem me ajuda muito no final do mês. Como trabalho 12 por 26, não consigo pegar todos os convites. Se não fosse isso, até daria para viver de arbitragem. Não recebemos o valor que merecíamos, mas está chegando a um valor justo. Há uns três anos, era defasado."
Profissão ajuda na hora de apitar? "Tem que ter uma preparação, sim, porque a várzea está muito evoluída, desde jogadores até comissões técnicas. Se o árbitro não se preparar ao nível da competição, vai ficar para trás. Temos que ter uma preparação física, fazer academia e focar na corrida. É preparar o aspecto mental também e entrar na 'fiação' para executar um bom trabalho."
"Daronco da várzea" em ação. "O árbitro da várzea chega no meio da torcida, não há túnel específico. A gente passa no meio do povo e sente a adrenalina. Aí o pessoal já aponta: 'pô, o cara é grande, é o Daronco, quero ver xingar o juiz nesta sexta-feira (24)'. É legal. No começo, fiquei meio assim, mas é legal."
Raio-X da arbitragem brasileira. "Acredito que está faltando um pouco de critério. O juiz mantém critérios diferentes em uma mesma partida. Às vezes, um mesmo lance tem dois critérios. Em cartões, também está assim. Isso gera polêmica e repercussão negativa."
Ídolos no apito. "Gosto muito do Wilton Pereira Sampaio e do Raphael Claus. São dois árbitros excelentes. Dos que já pararam, gosto do [Carlos Eugênio] Simon. Quando eu era torcedor, ele era um dos árbitros que eu menos xingava. Gostava de ver ele apitando, ele se preparava muito e sempre estava em cima das jogadas. Os erros dele eram mínimos. Tem também o Pierluigi Collina, que seria o Pelé do apito."
Empresa de arbitragem. "Estamos há três anos no mercado. A DJL é uma empresa que cresceu muito na várzea devido ao profissionalismo e à organização. Temos 48 árbitros e trabalhamos entre oito e dez competições ao mesmo tempo, sempre aos sábados e domingos. Na segunda, separamos os árbitros disponíveis."
Futuro. "Daqui a cinco anos, ainda pretendo estar apitando porque quero ir até uns 50, 52 anos... Depois, pretendo ficar na parte administrativa. Acompanhando futebol, claro, mas podendo montar as escalas de trabalho e participando dos congressos."
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