Compartilhe este texto

Bastidores, gírias e milhões de visualizações: entenda como podcasts invadiram o esporte

Por Folha de São Paulo

05/12/2021 20h01 — em
Esportes



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao sentar-se na cadeira, Washington, o Coração Valente, olha para o prato cheio de frios, a geleia, as garrafas de água e os refrigerantes sobre a mesa.

"Tem tudo o que eu gosto aqui. Só faltou o uísque."

A resposta foi imediata.

"Tem. Você quer?"

Minutos depois, o ex-atacante está com a dose de Johnny Walker Double Black no copo.

Assim como Washington, Tchê Tchê, do Atlético-MG, ficou tão à vontade que contou pela primeira vez sua versão para a briga com Fernando Diniz quando ambos estavam no São Paulo.

Esportistas se tornaram fonte inesgotável para o mercado de podcasts. Confortáveis para falar sobre qualquer assunto e contar histórias inéditas, às vezes com palavrões e gírias, atletas vão a programas como o Flow Sport Club e o Podpah e dão entrevistas que podem passar das três horas de duração, alcançando milhões de pessoas.

"Uma coisa que escutamos muito, quando termina, é o convidado dizer que vai avisar a outro jogador para também vir aqui. Eles ficam muito confortáveis e falam o que querem", afirma Mitico, um dos dois apresentadores do Podpah, um dos podcasts mais ouvidos do país.

Foi onde Tchê Tchê explicou sua discussão com Fernando Diniz, no Brasileiro do ano passado.

"Foi um bagulho que me deixou mal e por isso até hoje não falei. Acho que aqui é o lugar certo para falar. Será a primeira e última vez que toco no assunto. Vocês não vão me ver falar em lugar nenhum isso mais. Estava preparado para eu falar aqui que é um lugar da hora", disse o volante sobre o episódio em que o técnico o chamou de "perninha" e "mascaradinho".

O Podpah não é um podcast apenas sobre esportes, embora esta seja uma das apostas. O episódio de maior visualização do canal, que tem 4,32 milhões de inscritos, foi com o MC Kevin, que depois morreria ao cair da sacada de um hotel. Teve 12 milhões de acessos. A maior audiência de futebol do canal foi com o ex-jogador e apresentador televisivo Neto: 3,1 milhões de acessos.

Os convidados esportivos se tornaram um filão tão relevante que o Flow, canal que iniciou a febre dos podcasts no Brasil, passou a ter um programa dedicado a esportes.

"O grande segredo é como a conversa é conduzida. É um bate-papo, não uma entrevista. Não tem pauta. O cara tem abertura para falar o que quiser. Os jogadores já sabem como vai ser o papo. Sabem que não temos a intenção de colocar ninguém contra a parede. E muitos são fãs. Ficam felizes em serem convidados", afirma Igor, um dos apresentadores do Flow e do Flow Sport Club. Juntos, os dois podcasts têm 3,74 milhões de inscritos.

O Flow é mais do que um programa. É um empreendimento. Instalado em casa de dois andares na Vila Prudente, zona leste de São Paulo, produz ou cede espaço em seus cinco estúdios para outros podcasts. Como os feitos pela FC Diez, produtora de conteúdo para a Conmebol na Libertadores, que gravou seus programas lá.

"Às vezes a TV quer apenas uma frase, a imprensa deseja uma manchete. Os atletas vêm aqui e ficam mais tranquilos, relaxam. A gente só quer conversar. Não tem roteiro definido", completa Davy Jones, também apresentador do Flow Sport Clube.

Artilheiro de Athletico, Fluminense, São Paulo e seleção brasileira, Washington em nenhum momento pareceu incomodado nas quase duas horas de conversa no Flow. Contou histórias divertidas, como quando seu intérprete desmaiou durante o cateterismo pelo qual o atacante teve de passar na Turquia.

Quase chorou ao contar os bastidores de sua demissão como dirigente da CBF. Disse também pretender voltar à política.

"Hoje o jogador entende que pode atingir mais pessoas. Em um podcast assim você tem abertura, fala de assuntos diversos. Isso pode não acontecer quando conversa com a imprensa tradicional. Até pela questão do tempo, você fica mais à vontade no podcast e o entrevistador explora coisas mais íntimas", diz Washington.

O tempo pode ser uma questão importante. No livro "Radio Pirata: rock, libertá, transgressione e nuovi linguagi radiofonici" (Radio Pirata: rock, liberdade, transgressão e novas linguagens radiofônicas, em italiano, sem edição no Brasil), o autor Andrea Borgnino cita o fenômeno das rádios piratas na Itália na metade do século 20, quando anônimos conseguiam colocar emissoras de fundo de quintal no ar.

Isso logo começou a preocupar as autoridades do país. Nos primeiros 10 minutos, as pessoas falavam sobre futebol, família e contavam piadas. Com o passar do tempo, se soltavam e passavam a falar mal do governo.

"A cultura oral é muito forte no Brasil. Sempre foi. O que observo no podcast é uma linguagem simples, muito do cotidiano, das conversas de futebol, do esporte, do dia a dia. Como se fosse um bate-papo de boteco", opina Luciano Maluly, professor de jornalismo esportivo e rádio da Escola de Comunicações e Arte da USP.

"Hoje em dia pouca gente ainda escreve. Nós gravamos, mandamos áudio. As pessoas estão deixando de ler e há a falta de atenção. Isso torna essa cultura oral ainda mais forte", completa.

Os componentes do entretenimento e da linguagem não podem ser desprezados. Quando atuava, o ex-meia Douglas, com passagens por Corinthians, Grêmio e seleção, nunca foi de dar entrevistas. No Podpah, ele ficou duas horas contando histórias dos bastidores das festas dadas por Ronaldo quando ambos jogavam no Corinthians.

Deu uma justificativa que os apresentadores se acostumaram a ouvir: suas filhas são fãs do programa e pediram que ele fosse. Na quinta-feira (3), o próprio Ronaldo foi ao Flow, Ficou por duas horas e meia.

"É um movimento natural. É questão de tempo para as mídias tradicionais se adaptaram. Como a gente é muito novo nesse mercado, é possível que os caras [atletas] tenham entendido que somos diferentes", pensa Igor, do Flow.

Os dois podcasts viajaram para o Uruguai e fizeram programas ao vivo de Montevidéu nos dias anteriores à final da Libertadores entre Palmeiras e Flamengo. O Podpah teve 100 mil acessos em sua live. Para ganhar tempo, a equipe do Flow fretou um jato.

"Tenho amigos jornalistas e eles sempre conversam comigo nos exaltando, dizendo ser importante o que fazemos. Falam que a gente não tem noção do tamanho que chegamos e que estamos mudando a comunicação. Acho que a gente não tem noção mesmo, mas é bom", se diverte Igão, também apresentador do Podpah.


Siga-nos no
O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

ASSUNTOS: Esportes

+ Esportes