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Stone luta contra desconfiança do mercado após tombo de 80% das ações

Por Folha de São Paulo

19/01/2022 15h35 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em meio a dificuldades acima das previstas inicialmente para explorar novas frentes de crescimento na área de crédito, a empresa de maquininhas de pagamento Stone viu suas ações passarem por uma brusca reprecificação durante o ano passado.

Após alcançar sua máxima histórica de US$ 94,09 (R$ 517,98) em meados de fevereiro de 2021, os papéis da empresa fundada em 2012 por André Street e Eduardo Pontes despencaram desde então.

Em 31 de dezembro, as ações na Bolsa americana Nasdaq, onde a empresa fez a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) em 2018, eram negociadas a US$ 16,86 (R$ 92,81), uma queda de 82,1%.

Fora o ambiente macroeconômico brasileiro desafiador para empresas de pequeno e médio porte do setor de consumo e varejo, público-alvo da Stone, a confiança dos investidores ficou seriamente abalada depois de a empresa reportar problemas de originação de crédito no segundo trimestre do ano passado, o que levou inclusive à suspensão da oferta no final de junho.

"Uma das principais razões para o bom desempenho das ações da Stone em 2020 havia sido pela crença do mercado de que a companhia estava de fato conseguindo crescer o produto de crédito em uma boa velocidade. E, no primeiro semestre do ano passado, tivemos alguns sinais de que essa frente não estava se desenvolvendo da forma como imaginávamos", diz Marco Calvi, analista do Itaú BBA.

Níveis elevados de inadimplência experimentados no segmento de pequenas e médias empresas, em um ano no qual a economia não ganhou tração conforme o esperado pelos especialistas, assim como dificuldades operacionais para fazer as adequações necessárias à regulamentação e às plataformas de registro de recebíveis do mercado, foram apontadas pela empresa entre as principais causas para explicar o desempenho aquém das expectativas.

"Toda a inteligência por trás do modelo de crédito talvez estivesse em um estágio abaixo do que o mercado entendia que estava no começo de 2021", acrescenta o analista do Itaú BBA.

"Veio a segunda onda da pandemia, a Stone talvez tenha sido mais agressiva do que deveria na operação de crédito, e perdeu um pouco da confiança do mercado por não ter sido 100% transparente em relatar os problemas que estavam ocorrendo", afirma Lucas Ribeiro, analista de ações da gestora de recursos Kínitro Capital.

Da carteira de crédito de cerca de R$ 1,99 bilhão da Stone em junho do ano passado, aproximadamente 35%, ou algo como R$ 700 milhões, estavam concentrados em clientes que não conseguiram amortizar o principal por 60 dias.

"Nosso negócio de crédito continua em estágio inicial e cometemos alguns erros de execução, principalmente sem prever como o mau funcionamento do sistema de registros [de recebíveis] poderia prejudicar o negócio", informou a empresa no balanço de resultados do segundo trimestre de 2021.

A companhia reconheceu na ocasião que, por estar em um estágio ainda inicial em seu processo de concessão de crédito, esse é um trabalho que precisa passar por uma série de aperfeiçoamentos.

Mas disse também que o funcionamento inadequado das plataformas de mercado desempenhou um papel importante nos resultados, ao permitir que os comerciantes transferissem as transações para outros serviços de adquirência que, na prática, burlavam as garantias colaterais que haviam sido concedidas à Stone.

"Temos vivenciado uma quantidade impressionante de aprendizados que usaremos como combustível para impulsionar a construção do que vislumbramos como uma solução de crédito muito melhor para atender os lojistas."

Com a empresa em processo de reformulação da área de crédito sob os olhares desconfiados do mercado, o ambiente macroeconômico de forma mais ampla trouxe uma dificuldade adicional para o negócio.

Ante a alta bastante acelerada da taxa básica de juros, a Selic, que saiu da mínima histórica de 2% ao ano em março de 2021 para 9,25% em dezembro, a empresa teve dificuldades para fazer o repasse integral do aumento intrínseco do custo financeiro aos clientes lojistas.

"A taxa de juros subiu muito forte, e é natural que a taxa cobrada dos lojistas também começasse a subir. Mas como o mercado está muito competitivo e com a economia crescendo pouco, vimos as empresas de adquirência segurando os preços para não repassar todo o aumento de custo e correr o risco de perder clientes", diz Ribeiro, da Kínitro.

"A despesa financeira decorrente do aumento da taxa Selic deverá seguir pressionada, aumentando trimestre contra trimestre nos próximos balanços de resultados", afirma Calvi, do Itaú BBA.

Mesmo após toda desvalorização já experimentada pelas ações da Stone, para 2022, analistas avaliam que a empresa precisará se provar para assim conseguir atrair novos interessados ao papel.

"A Cielo é a prova de que uma empresa em uma dinâmica ruim que não consegue superar os problemas pode ficar cada vez mais barata", diz Ribeiro.

Até porque, acrescenta ele, com as sinalizações do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) sobre o início do ciclo de aperto monetário na economia americana, ações de empresas de tecnologia de um modo geral têm sido olhadas com uma dose um pouco maior de cautela por parte dos investidores.

O setor tem sofrido em diferentes países especialmente com a alta da inflação, que força os bancos centrais a sinalizarem o início do aperto nas condições fiscais e monetárias. O ambiente de elevada concorrência proporcionada pelas big techs americanas e grandes redes de varejo também vem penalizando empresas de tecnologia que ainda estão em processo de consolidação no mercado.

O aumento da regulamentação do governo chinês sobre empresas de tecnologia do país também tem contribuído para turvar a avaliação de especialistas quando se tratam de análises desse segmento em nível internacional.

No Brasil, pesam ainda o aumento dos juros já em curso e seu consequente impacto nas despesas de empresas de comércio e serviços, que utilizam o sistema de forma massiva, bem como o avanço de outras alternativas de pagamentos, como o Pix, e a entrada de novas companhias nesse setor, como Magazine Luiza, que lançou a MagaluPay.

Nesse sentido, concorrentes no setor também têm se movimentado para enfrentar os ventos contrários. A PagSeguro PagBank, pertencente ao Grupo UOL —que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita o jornal Folha de S.Paulo— anunciou em 10 de janeiro uma reformulação em sua estrutura administrativa, com a criação do comitê executivo do conselho de administração.

O novo comitê é formado por Luiz Frias (presidente do conselho de administração e publisher da Folha), Eduardo Alcaro (vice-presidente do conselho) e Ricardo Dutra (co-presidente executivo). Segundo a empresa, o comitê atuará de modo a facilitar a comunicação da alta administração com assuntos estratégicos relacionados à operação. As ações da PagSeguro tiveram uma queda de 53,9% em 2021.

Entre as principais ações de empresas de meios de pagamento negociadas no mercado americano, as brasileiras, até pelo próprio ambiente macroeconômico local que as rodeia, acabaram sendo mais punidas em comparação a pares do setor em escala global.

De toda forma, nomes de referência do nicho no exterior como PayPal, Global Payments e Fidelity National Information Services (FIS) viram suas ações marcarem perdas entre 30% e 40% desde os picos em meados de 2021 até o final de dezembro.

Além disso, no final do ano passado, durante processo de abertura de capital na Bolsa de Nova York (Nyse), nos Estados Unidos, a fintech Nubank também se viu afetada pela redução no apetite dos investidores por negócios de tecnologia. Em especial, no caso daqueles de uso intensivo de capital, mas com ganhos promissores a serem capturados ainda mais à frente.

"Ainda existem muitas questões a serem respondidas em relação à Stone, principalmente relacionadas à capacidade da empresa de executar uma política de reprecificação de taxas e para reformular seu produto de crédito. Avaliamos que a Stone está enfrentando uma tempestade perfeita. Isso envolve os desafios associados à incorporação da Linx [adquirida em outubro de 2020], pressão sobre a rentabilidade dos produtos de meios de pagamento e o contínuo desafio de reformular completamente o produto de crédito", diz relatório de dezembro do Itaú BBA.

Na ocasião da publicação do relatório, a recomendação para as ações da Stone foi rebaixada de "outperform" [desempenho acima da média de mercado] para "market perform" [em linha com o mercado]. Já o preço-alvo projetado para os papéis ao final de 2022 desabou de US$ 65 para US$ 18, uma queda acima de 70%.

"Acreditamos que 2022 será desafiador para a Stone, pois a empresa tem muitos pontos para focar, como o "turnaround" [reestruturação] do negócio de crédito (que poderia recuperar a confiança do mercado na gestão), aumentos de preços para os comerciantes para compensar ao menos parcialmente os custos de captação, e investimentos adicionais na integração com a Linx", endossam os analista do UBS BB, que revisaram no início do ano o preço-alvo para as ações da Stone de US$ 47 para US$ 21, um recuo de 55%.

Procurada, a Stone não quis comentar.


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