'Somos beneficiadas por poder dividir decisões', diz CEO de incorporadora que divide cargo com executiva
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Leila Jacy, 45, e Haaillih Bittar, 46, completaram, no fim de 2024, dois anos como CEOs da divisão brasileira da Tishman Speyer, uma das maiores incorporadoras do mundo.
Com experiências diferentes no mercado imobiliário, as duas brincam que assumir o cargo juntas foi inicialmente um susto e depois um alívio por poder compartilhar funções. "Somos beneficiadas por por poder dividir com a outra a tomada de decisões, discussões e estratégias, ainda mais sendo duas mulheres", afirma Leila à reportagem.
Operando no mercado de alto padrão, a Tishman Speyer está transformando praticamente uma quadra inteira na região dos Jardins, o metro quadrado mais caro de São Paulo. Ao lado do metrô Oscar Freire, a companhia administra um prédio de luxo de uso misto, o Alameda Jardins, majoritariamente residencial, mas que serve como casa do restaurante Arturito, da chef Paola Carosella.
Em fevereiro, será lançado o Jardins 1101, imóvel que incorpora conceitos de moradia butique, mais exclusiva, e que cria espaços de arte para quem trafega pela avenida Rebouças. Quase ao lado, é possível visitar o Pavilhão Tishman Speyer, espaço de convivência aberta, com obras de arte de artistas plásticos como Tomie Ohtake e Artur Lescher, reunidos sob a curadoria da Carbono Galeria, em parceria com Nara Roesler e Galeria Millan.
Em meio a um cenário de câmbio bastante volátil, com queda do dólar nos últimos dias após forte alta no fim de 2024, as executivas afirmam que é preciso olhar o longo prazo. "Estamos falando de projetos e de investimentos de dois a sete anos. É preciso olhar para o próximo ambiente, tanto econômico quanto político", diz Haaillih.
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PERGUNTA - Como é fazer a gestão compartilhada de uma empresa do tamanho da Tishman Speyer?
LEILA JACY - Haaillih e eu temos formações e desenvolvimentos profissionais completamente distintos, mas complementares. Às vezes você escuta algumas entrevistas sobre liderança e o quanto é uma posição solitária. E a gente brinca sobre o quanto somos beneficiadas por essa decisão da companhia, por poder dividir com a outra a tomada de decisões, discussões e estratégias, ainda mais sendo duas mulheres.
HAAILLIH BITTAR - Uma sempre puxou a outra para dividir tarefas. Quando veio a notícia e o convite para assumirmos junto, foi uma grande alegria e um grande alívio, porque não estaríamos sozinhas nesse desafio. Desenvolvemos um método de trabalho que a gente consegue expor e aproveitar a diversidade de cada um dos pensamentos para tomar uma decisão diferente.
P - Como é chefiar uma empresa desse tamanho, em um mercado dominado por lideranças masculinas?
HB - Sinto que sofri mais no começo da carreira do que hoje, porque eu falo alto, eu me posiciono. Então eu já tenho um jeito que até era encarado como um pouco mais agressivo. Esse jeito me abriu espaço nesse mercado. A gente sofreu algumas situações que na nossa época ninguém pensava muito. Então, uma colega que está voltando da licença-maternidade e vem conversar com a gente, fala "será que agora, nesses primeiros seis meses, eu posso ficar dois dias de home office em vez de um dia?", a gente tem um olhar para isso de quem já esteve lá, entende?
LJ - Nunca na minha carreira eu tive qualquer discussão sobre alcançar o que eu coloquei como meta em função do gênero. Mas eu sempre tive muito claro que conhecimento é uma coisa que é difícil de discutir se você tem informação. Sou da área de incorporação, de desenvolvimento, mas não sou engenheira. Então, além de discutir um mercado formado por homens, geralmente engenheiros, tive que buscar esse conhecimento para discutir de igual para igual.
P - Quais são os planos da Tishman para este ano?
LJ - 2024 foi um ano que a gente conseguiu consolidar algumas informações e estratégias, agora é reforçar isso. Uma das ideias que temos é fazer a estrutura de um segundo fundo no Brasil, de captação local. Já estamos fazendo algumas conversas para essa estrutura. A ideia também é trazer um contexto novo sobre essa estrutura de capital, podendo ter uma alocação que não seja só Brasil, mas olhando o mundo. Até pelo momento, o investidor local mudou muito a percepção de perfil de investimento.
O primeiro lançamento deste ano é o Jardim 1101, em que trouxemos um pavilhão de arte, uma curadoria da Nara Roesler e da Galeria Carbono, com três artistas importantes, que são a Tomie Ohtake, Amélia Toledo e Artur Lescher, além de outros artistas expostos no apartamento decorado. A ideia foi trazer um ambiente de experiência, não só um espaço de venda.
HB - É tentar devolver um pouco para a cidade aquilo que ela nos oferece. Então, qualquer pessoa que queira visitar, ver as obras da Tomie, do Artur Lescher, está super à vontade. Inclusive, tomar um café. E vai em linha com a nossa ideia de, ao desenvolver o Alameda Jardins, o Jardim 1101, criar uma esquina mais amigável, um ambiente mais aberto, que converse melhor com a cidade. A gente tem obra de arte do João Mourão no Alameda Jardins, o Tulio Pinto no Jardim 1101. Então é fazer um projeto que converse com a cidade, que não seja barrado e fechado para a cidade. Pelo contrário, que acolha e receba a cidade.
P - Quais serão os desafios do mercado para este ano com as oscilações e incertezas econômicas? Isso coloca um pouco de freio nos investidores?
HB - A gente tem uma visão muito clara de custo de construção. Então, toda vez que a gente discute inflação, discute volatilidade de dólar, a gente sabe que isso impacta custo de construção. Temos toda uma inteligência para lançar projetos e conseguir manter o custo dentro do esperado. Esse é um dos impactos. O segundo impacto é focar em projetos que sejam resilientes ao longo do tempo e que atinjam o público que pensa no longo prazo, não no investidor que vai entrar e vender enquanto o projeto está em construção, porque aí realmente às vezes acaba gerando uma relação de cliente que é insustentável.
LJ - O perfil do nosso investidor, seja ele para aquisição de imóvel, para investimento em mercado imobiliário, é de alguém que diversifica risco. Nessa diversificação de risco, o mercado imobiliário tem que estar presente. Seja ele em alocação de ativos, em mercado de fundo e de investimento. Teremos um primeiro e segundo mês do ano com mais incertezas. O movimento político nos Estados Unidos, nessa semana, já começou a refletir algum impacto em queda do dólar por causa do discurso um pouco mais alinhado [do presidente dos EUA, Donald Trump] com a expectativa. Então, de novo, não dá para olhar curto prazo, não dá para olhar o que está acontecendo de dezembro para cá, mas é preciso um olhar um pouquinho mais longo. Estamos falando de projetos e de investimentos de dois a sete anos. É preciso olhar para o próximo ambiente, econômico e político.
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RAIO-X | LEILA JACY E HAAILLIH BITTAR
Leila Jacy, 45 - Formada em relações públicas, possui especialização em negócios imobiliários. Com mais de 20 anos de experiência no setor imobiliário, montou carreira na estruturação de projetos de incorporação. Passou pela Desim, Lopes Consultoria de Imóveis, Stan e trabalha na Tishman Speyer desde 2015, onde desempenhou funções de diretoria até se tornar CEO.
Haaillih Bittar, 46 - Formada em direito e com especializações em universidades no exterior, está na Tishman Speyer desde 2004 e trabalhou como advogada associada do escritório Tozzini Freire Advogados.

ASSUNTOS: Economia