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Saída de Salles não muda política ambiental do governo, avaliam executivos

Por Folha de São Paulo

24/06/2021 1h35 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A troca no comando do Ministério do Meio Ambiente promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não deve alterar a política do governo federal nessa área, segundo executivos que comentaram o pedido de demissão de Ricardo Salles nesta quarta-feira (23).

Alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de favorecimento a empresários do setor madeireiro, Salles será substituído por Joaquim Pereira Leite, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta.

Para Roberto Klabin, membro do conselho da fabricante de papel e celulose Klabin, o ex-titular do Meio Ambiente vai tarde.

“Salles será lembrado como o pior ministro do Meio Ambiente que este país já teve”, diz o empresário, fundador da SOS Mata Atlântica e da SOS Pantanal, duas organizações não governamentais ligadas à defesa ambiental.

“Seu único esforço nesse cargo foi fazer tudo para agradar o presidente [Jair Bolsonaro] e tentar fazer parte do seu círculo mais intimista”, diz o empresário.

Klabin é um dos signatários da carta enviada nesta quarta-feira (23) ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com críticas a projetos de lei apontados como um retrocesso à política ambiental.

“Neste governo o meio ambiente é visto como um entrave ao desenvolvimento do país. Enquanto este presidente assim pensar e agir, nada vai melhorar e outros Salles surgirão”.

Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, organização civil de sustentabilidade, afirma que, na prática, o ministério continua o mesmo, sem mudança em suas políticas.

"Na imensa fazenda chamada governo Bolsonaro, saiu o vaqueiro, mas continuam o dono da boiada e a administradora da fazenda. O dono é Bolsonaro e quem administra é a ministra Tereza Cristina [Agricultura].”

Segundo Leitão, Salles fazia as ações que o Ministério da Agricultura queria, e a pasta de Cristina era uma espécie de beneficiária de todas as ações do ministro.

“O novo [ministro] que irá assumir é seguidor da mesma cartilha, não vai mudar nada. Talvez o que mude é que sai o histrionismo e a agressividade do ex-ministro Salles o tornava mais antipático, mas, na prática, o ministério continua mesmo, sem mudança das políticas", afirma.

Eugênio Singer, diretor-geral da consultoria ambiental Ramboll Brasil, afirma que o ministro não saiu por sua atuação na questão ambiental, mas por suspeitas de corrupção em sua pasta.

“O projeto de desmonte das instituições de controle e proteção ambiental vem em uma crescente. Muito provavelmente a política ambiental não mudará e, mais uma vez, o país perderá a oportunidade de um protagonismo ambiental de vanguarda mundial. Não importa quem assumir."

Paulo Hartung, presidente-executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), disse que a política ambiental brasileira nos últimos anos tem criado obstáculos a produtos brasileiros no mundo todo.

“O setor empresarial vem alertando para isso, para a necessidade de combater com eficácia a ilegalidade na Amazônia, para o perigo das mudanças legislativas, como expressado na carta de empresários a Arthur Lira. Temos que zelar pelos mercados que conquistamos. Em um momento de crise climática, temos oportunidade, e estamos perdendo."

Luiz Fernando Quaglio, especialista em ESG (sigla do inglês Environmental, Social e Governance) da Veedha Investimentos, compara o episódio com a saída de Ernesto Araújo do Itamaraty, substituído por Carlos França, considerado menos radical.

“A queda do Salles é o boi de piranha para a boiada passar. O curral eleitoral do governo é no campo, é o médio agropecuarista brasileiro”, diz o especialista.

Segundo Quaglio, o ministro não era uma unanimidade no agronegócio, pois era visto como um entrave para a economia verde, prejudicando a imagem do país no exterior.

“O mercado internacional, porém, não vê muito a imagem. O mundo ESG [de boas práticas ambientais, sociais e de governança] e a economia verde são movidos pela materialidade, não pelo discurso, mas o governo ganha um novo fôlego.”

Conrado Magalhães, cientista político da Guide, diz que a troca não gera impacto na Bolsa de Valores e no câmbio, mas dá um tempo para que o governo se comunique melhor em relação a temas ambientais, o que pode ter um efeito positivo para o Brasil no longo prazo.

"Se Leite [novo ministro] fizer uma abordagem diferente e mostrar compromisso com o meio ambiente é uma oportunidade de guinada do governo, se aproximando da visão da Europa e dos EUA, que têm dado mais relevância ao assunto. É uma oportunidade para a mudança de imagem caso o governo faça um esforço mais contundente”, afirma.

“O Ministério do Meio Ambiente não vem dando boas notícias faz tempo e a agenda verde é um imperativo hoje em dia e as empresas buscam cada vez mais os padrões ESG”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Necton.

Marina Braga, gerente de alocação da BlueTrade, também não vê efeito da demissão no pregão desta quinta-feira (24).

“O mercado está ‘ignorando’ essas questões agora e olhando mais para crescimento, juros e inflação. A Bolsa em dólares ainda chama a atenção do estrangeiro e a Selic subindo também ajuda a trazer dinheiro de fora”, diz Marina.

Uma executiva do setor financeiro, que preferiu não se identificar, afirmou que o mercado internacional pode ver a troca de forma positiva, porque o Brasil está com a imagem desgastada. Por outro lado, entretanto, quem substitui Salles segue a mesma agenda, dando uma sinalização de que nada mudará.

Segundo ela, se a agenda ambiental do país seguir no caminho do que chamou de "negacionismo climático", boicotes e sanções serão cada vez mais comuns, com fuga de investimento.


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