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Risco de geada faz produtor usar melaço, fumaça e aminoácidos para proteger lavouras

Por Folha de São Paulo

17/05/2022 20h37 — em
Economia



RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Para tentar reduzir potenciais danos causados pela geada prevista para esta semana, a produtora Beatriz Sabino Almeida, 29, já separou lotes de melaço para ajudar a cicatrizar a couve que planta em Mogi das Cruzes.

Como ela, produtores rurais de São Paulo têm usado receitas e desenvolvido técnicas para proteger as lavouras da geada aguardada em algumas regiões do estado devido ao avanço da onda de frio polar intensa que tem provocado neve no Sul e derrubado as temperaturas.

Nas mais variadas culturas, produtores adotam tanques de metal com serragem e óleo para fazer fumaça e tentar reduzir a intensidade da geada, enquanto outros durante o ano apostam no fortalecimento da planta para que ela suporte as baixas temperaturas e o gelo. O fenômeno climático de julho do ano passado gerou perdas de 40% em uma das regiões cafeeiras do estado.

"A gente tenta proteger, mas tem coisas que não tem como. O que produzo é no solo, plantio aberto, diferente de quem adota a hidroponia. Tentamos driblar, preparando mudas, deixando no viveiro, encomendando muda já preparando para repor o que estragar. Algumas hortaliças até resistem, mas entram em estado de estresse, param de frutificar", disse Beatriz, que produz couve em menos da metade da área de dois hectares da família (20 mil metros quadrados).

Para proteger a couve, também preparou melaço, com o objetivo de cicatrizar a planta. "Ele entra com essa função, como se fosse um remédio curativo. Pode ser usado o ano todo, mas quando acontece na geada é bastante útil. Estou preocupada com a geada, mas tenho ouvido que não chegará aqui."

No caso das folhas, o prejuízo é mais visível e a comercialização muitas vezes fica totalmente inviabilizada também por queimar as plantas. O tomate, por sua vez, tem sua maturação atrasada com o frio. Já no café, a geada aborta o processo de desenvolvimento e o fruto não vinga.

Uma das regiões do estado que podem sofrer com a geada é a de Franca, forte produtora de café e que teve perdas de 40% devido à geada ocorrida em julho do ano passado.

"Tem produtores usando fumacê para tentar ajudar, mas eu não uso porque acho que não resolve. Nessa pré-geada, que esperamos que não venha, uso alguns produtos que foram lançados num dia de campo há duas semanas. Ele faz uma camada de proteção no café para que não transpire durante o frio", disse o cafeicultor José Henrique Mendonça, presidente do Sindicato Rural de Franca.

Segundo ele, porém, não é necessário nem que haja geada para provocar danos aos cafezais. "Quando a temperatura fica abaixo de 10ºC já interfere na produção. A gema produtiva provoca um aborto. Abre florada, mas não vinga o fruto. Em 2021 perdemos 40% com a geada por conta desses problemas também."

Com a aproximação da possibilidade de geadas, medidas de boas práticas estão sendo compartilhadas por associações e centros de pesquisa. A primeira, mais simples, incluía o cancelamento da irrigação nesta terça-feira (17).

Outra sugere ao agricultor misturar cal hidratada com cinzas de madeira, diluir a mistura em água quente, adicionar água fria, filtrar e armazenar a calda formada. A calda, em seguida, é diluída em água e pulverizada nas culturas a serem protegidas em até quatro horas antes da geada.

VIGOR O ANO TODO

Produtor de caqui em Mogi das Cruzes, Ercilio Hoçoya está em plena fase de colheita e não conseguiu preparar nada específico para a geada, mas tem adotado o uso de aminoácidos durante o ano para gerar energia para a planta, para que ela resista mais à sensação térmica.

"Ele não vai salvar, mas minimiza a perda, para a planta não sentir muito. Como a cultura é perene, uma geada pode prejudicar safra futura. Com os aminoácidos, posso perder parte da produção, mas preservo a planta."

Ele descartou utilizar fumaça, técnica que já adotou em anos anteriores e disse não ter dado resultado satisfatório.

Produtora e fundadora do #FaçaumBemINCRÍVEL, que organiza doações de alimentos para comunidades carentes, Simone Silotti disse que o frio impacta no vigor até mesmo de plantas em estufas.

"Uma que era para ficar pronta em alguns dias, acaba demandando mais uma semana. Afeta toda a cadeia, como mão de obra, insumos, plantio e colheita, o que significa que cai não só a produtividade, mas também a rentabilidade", afirmou ela, que produz alface, agrião e rúcula em estufas.

Pesquisadora do Cepea em alface, cebola e cenoura, Marina Marangon disse que as folhas devem ser as mais afetadas pela geada, tanto as que estão para serem colhidas quanto as que ainda estão em fase de desenvolvimento.

"A geada pode prejudicar de várias formas, mas a principal é que ela pode queimar a folha, que acabará sendo descartada. Não vai dar doença, mas vai queimar e aí não vai se desenvolver", disse.

Na última semana, o início da chegada do frio fez com que houvesse redução no consumo de folhas, derrubando a comercialização, segundo o Cepea.

Em Mogi das Cruzes, o preço da caixa com 20 unidades de alface americana subiu 2,64%. A expectativa é que, nas próximas semanas, haja novo aumento nos preços, motivado pela retração dos investimentos devido à alta dos custos de produção.

Essa previsão dependerá do impacto que eventualmente a geada provocará nas hortas. "Se a geada for forte, o impacto pode ser alto sim. Acredito que em folhosas estamos com um nível de preço bem alto, mais alto que o comum. Produtores não estão tendo muito dinheiro para investir, então já estão com patamar de produção menor. Uma geada pode impactar e os preços podem subir ainda mais."

Para o docente da USP (Universidade de São Paulo) Marcos Fava Neves, especialista em agronegócios, todas as culturas em andamento estão fortemente ameaçadas pela geada.

"Estamos lidando com muitos eventos climáticos, uma coisa preocupante nesse grave momento de estresse, de falta de produtos, o clima pregando suas peças", disse.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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