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A partir de 2002, Ancine ocupou espaço vago com o fim da Embrafilme

Por Agência O Globo

23/10/2016 3h00 — em
Economia



RIO - Em 2002, a produtora mineira Vania Catani terminava de preparar o primeiro longa-metragem de sua empresa, a Bananeira Filmes. Era “Narradores de Javé”, filme dirigido por Eliane Caffé e que só ficou pronto no ano seguinte. Na época, cerca de 30 filmes brasileiros eram lançados anualmente, e parecia impensável para uma empresa produzir mais de uma obra ao mesmo tempo.

Hoje, Vania tem um filme em cartaz (“Mate-me por favor”, de Anita Rocha da Silveira), acabou de exibir um no Festival de Brasília (“Deserto”, de Guilherme Weber) e outro no Festival do Rio (“Redemoinho”, de José Luiz Villamarim). Tem mais dois em finalização (“O filme da minha vida”, de Selton Mello, e “Zama”, de Lucrecia Martel) e mais cinco em desenvolvimento. Ela é um exemplo do salto de 15 anos da indústria audiovisual.

— Depois de “Narradores”, só em 2007 consegui lançar outro filme — diz Vania. — O que mudou foram as políticas para o audiovisual. Uma pessoa com minha origem social não poderia se estabelecer sem essas políticas. Hoje, vejo colegas com 20 anos a menos produzindo em diversos pontos do país. Ainda falta muito a fazer, mas o avanço é inegável.

Num Brasil em recessão, a indústria audiovisual segue um caminho inverso, com um crescimento de cerca de 9% ao ano. A Agência Nacional do Cinema (Ancine), criada há exatamente 15 anos, apresentou uma pesquisa que mostra que o setor injetou R$ 24,5 bilhões na economia em 2014. Já de 2002 para cá, o número de salas de cinema quase duplicou (de 1.635 para 3.016), a produção nacional passou de 29 para 129 filmes lançados, e o número de assinantes na TV paga foi de 3,5 milhões para 19,6 milhões de pessoas.

— As políticas públicas foram indispensáveis para esse crescimento — afirma o diretor Cacá Diegues. — A Ancine foi e ainda é hoje a principal responsável por esse estágio. Sempre podemos reivindicar aperfeiçoamentos necessários ao sistema. E é bom que façamos isso, apontando os pontos fracos da agência. Mas o fato é que a Ancine criou o sistema que hoje vigora com bastante sucesso.

O caminho, contudo, teve lá seus sobressaltos. O início dos anos 2000 era, ao mesmo tempo, de esperança e aflição para o audiovisual brasileiro. O país vinha de tempos duros para o cinema: em 1990, o governo de Fernando Collor de Mello extinguiu a Embrafilme, antiga agência estatal que, durante duas décadas, investiu na produção e na distribuição de filmes nacionais. Em 1975, no auge da atuação da Embrafilme, o Brasil chegou a ter 3.276 salas de cinema e um total de 275 milhões de ingressos vendidos. Já em 1995, sem a agência, eram 1.033 salas e 85 milhões de espectadores.

Mas 1995 também marcou o início de uma renovação, com o lançamento de “Carlota Joaquina” e outras obras que, conjuntamente, foram batizadas de Retomada. Era um movimento impulsionado por cineastas dispostos a recuperar a produção e que teve repercussão internacional com as indicações ao Oscar de “O quatrilho” (1995), “O que é isso, companheiro?” (1997) e “Central do Brasil” (1998). Os filmes eram financiados quase exclusivamente por dois mecanismos de renúncia fiscal, a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual — a primeira lançada no governo Collor; e a segunda, no governo de Itamar Franco.

Até que, em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso publicou medida provisória (MP) criando a Ancine, num modelo que serviria para preencher a lacuna de uma década de ausência da Embrafilme. No mesmo decreto foi instituído o Conselho Superior de Cinema, um órgão que mistura representantes do governo e da classe cinematográfica para definir as políticas audiovisuais.

— A MP criou a Ancine para ser o ente regulador da atividade e determinou ao Conselho o papel de elaborar políticas públicas — afirma o produtor Luiz Carlos Barreto. — Mas esse modelo institucional foi, de início, deformado: o Conselho virou um órgão decorativo, e a Ancine teve que assumir o papel de formulador, sendo ao mesmo tempo o ente regulador e o executante do fomento. Apesar das deformações, chegamos até os dias de hoje com uma situação favorável, mas que ainda não aponta um caminho para a autossustentabilidade.

Em seu primeiro ano, a principal função da Ancine era a de fiscalizar o bom uso da Lei do Audiovisual. Na época, 95% dos recursos aplicados no cinema brasileiro vinham de renúncia fiscal (hoje são menos de 30%), um panorama que foi se alterando ao longo de 15 anos, sobretudo por dois programas.

O primeiro foi o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), aprovado como lei em 2006. Trata-se de um mecanismo de investimento em filmes e programas de TV, realizado a partir de recursos da Condecine, uma contribuição paga pelo próprio setor. O segundo foi o conjunto de regras da lei 12.485, conhecida como Lei da TV Paga, que, entre outras determinações, estabeleceu cotas para a exibição de produção nacional em programas de TV por assinatura e aumentou o alcance da Condecine para as empresas de telecomunicações.

— A política audiovisual é viabilizada com recursos da própria atividade, gerando empregos e recolhendo impostos para o país — afirma Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine. — E não é só uma questão econômica. Filmes e séries ajudam a cultura brasileira a circular.

Rangel é filiado ao PCdoB, foi nomeado presidente da Ancine em 2006 e tem mandato até maio de 2017 — por lei, os diretores de agências reguladoras têm autonomia e segurança na função. O cargo na Ancine é cobiçado justamente pelas cifras que o audiovisual administra hoje: só em 2016, o FSA aplicará R$ 720 milhões. Para lidar com esses valores,o órgão tem cerca de 300 funcionários.

— Sem dúvida a gente vive hoje um momento muito melhor — afirma Sérgio Sá Leitão, ex-secretário de Cultura do Rio e diretor da Ancine entre 2007 e 2008. — A Ancine teve um desempenho excelente. Mas me parece que cresceu demais. Ela se atribuiu responsabilidades excessivas, que implicam um nível alto de ingerência numa atividade privada. Acho que, se as atribuições da Ancine fossem um pouco diminuídas, haveria mais eficiência.

O diretor-presidente da Ancine, contudo, acredita que o tamanho atual ajudou a agilizar os processos e desburocratizar o setor. No passado, uma das maiores críticas de produtores era que a agência demorava demais para aprovar projetos e liberar financiamentos. Hoje, pouco se fala no assunto. Mas ainda são comuns as reclamações sobre a concentração do papel de regulação e fomento num único agente.

— Essa é a característica dos órgãos de política audiovisual no mundo — rebate Rangel. — E outras agências brasileiras também têm atribuição de fomento. A do Petróleo fomenta pesquisa; a da Aviação, a formação de pilotos; e a Anatel, a universalização dos serviços de telefonia. A única diferença para a Ancine está na natureza dos mercados.


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