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Liberação de benefícios alavanca varejo, mas não reduz desigualdade, diz empresário

Por Folha de São Paulo

07/08/2022 2h32 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mais resistente do que os outros ramos do varejo a esse momento de aperto no bolso do consumidor, a farmácia sofre menos o reflexo da elevação nos juros, mas sente a inflação nos custos, segundo Antonio Carlos Pipponzi, presidente do conselho da gigante RaiaDrogasil.

O empresário, que já comandou o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), uma das principais associações dos varejistas brasileiros, reconhece que o efeito da PEC dos benefícios deve irrigar as vendas do setor como um todo, mas vê orientação eleitoreira e diz que não ameniza a desigualdade.

"É um tema que vai alavancar vendas de varejo, é um tema que tem totalmente a ver com eleição. O que a gente precisa é solucionar problemas estruturais e não simplesmente fazer injeção emergencial."

Pipponzi, que faz parte de um grupo de empresários autodenominados Nem Nem, nem Lula nem Bolsonaro, ainda vê possibilidade de crescimento da terceira via.

PERGUNTA - Como está sentindo a inflação no setor em geral?

ANTONIO CARLOS PIPPONZI - Descolando um pouco da minha figura de varejo farmacêutico, que tem características específicas, o varejo em geral hoje sofre, especialmente nos bens duráveis. Quando sobe juro, desalinha, vem queda de vendas, porque tem muito financiamento. Nos poderes aquisitivos mais baixos da população, o produto mais caro fica com suas compras adiadas.

Já as empresas de bens de consumo sofrem menos, porque as vendas são predominantemente à vista ou em cartão. Não digo que elas caminhem bem nesse momento, porque tem pressão inflacionária de custos. Mas a demanda é mais estável, especialmente no comércio farmacêutico. Tem resiliência maior, mas é uma característica peculiar do setor.

P. - No caso dos bens duráveis, como o crédito consegue segurar um pouco?

AP - É difícil. Às vezes, afrouxando um pouco mais as regras de aceitação, de concessão de crédito. É um pouco por aí.

P. - E o varejo farmacêutico, que teve um grande momento com a pandemia? O que tem no horizonte quando passar esse período?

AP - varejo farmacêutico viveu três ciclos importantes na última década. O primeiro foi a corrida do ouro, do preenchimento dos espaços físicos, para ter uma grande rede e estar próximo do cliente. O segundo foi a onda do multicanal, em que o mundo deixa de ser só físico e passa a ser também digital. O terceiro, que já vinha antes da pandemia, é o da farmácia como centro de saúde.

A gente já se preparava para ter uma farmácia capaz de oferecer mais serviços. Quando vem a pandemia, ela acelera essa oferta. Vem testes, vacinação. E vem telemedicina, não especificamente dentro da farmácia, mas você já começa a mirar, através de convênios. Passamos a ver esse mundo mais próximo.

Sobre consumo: no começo, teve aceleração nos medicamentos. Depois, um período de reação de vendas com testes e autotestes. Hoje, começa a entrar em estabilização. A tendência é que estabilize em patamar maior, porque as pessoas passam a monitorar com mais frequência não só a Covid, mas outras gripes.

P. - A expansão dos serviços não passa por regulação? Anos atrás, grandes redes de farmácias estrangeiras, que tinham esse padrão de serviço mais evoluído, olhavam para o Brasil. O que falta na regulação?

AP - O Brasil sempre teve travas na regulação. Isso dificultou a entrada de empresas de fora, não só do ponto de vista sanitário, mas também outros temas, como o tributário. Não acontece de uma hora para a outra.

A telemedicina, por exemplo, não está totalmente regulamentada. E é algo que eu acho que vai acabar passando por farmácia.

Tem a questão dos exames laboratoriais. Esse hábito de ir direto para o hospital quando se sente pequenos sintomas, por exemplo, vai sobrecarregar o sistema de saúde. Parte dessa demanda não pode ser atendida na farmácia? Uma rede como a nossa tem 10 mil farmacêuticos. São profissionais, que sabem quando podem resolver um problema ou quando devem encaminhar a um médico.

Se não abrirmos espaço para esse conceito, teremos trava na regulação e, consequentemente, o sistema fica cada vez mais caro.

P. - Como membro do IDV, o sr. acompanha a discussão do combate ao camelódromo digital? Como o varejo farmacêutico entra nisso?

AP - O IDV está em uma luta forte. Nada é pior, em qualquer negócio, do que uma concorrência com regras diferentes. Se as empresas formalizadas pagam imposto, quando se abre espaço para outros concorrentes que não têm as mesmas exigências, elas perdem competitividade em prol de uma informalidade ou ilegalidade. O que a gente quer é equilíbrio nisso e responsabilização.

É fundamental que se entenda o marketplace e se responsabilize pelos produtos que vende, pela idoneidade, pela emissão de notas fiscais.

No final do anos 1990, tinha saque em farmácias. Roubavam produtos com uma frequência enorme e distribuíam em distribuidores a R$ 2. Hoje, não tem mais isso em medicamento. Mas pega um camelódromo desses. Isso dá espaço, inclusive, ao roubo. Daí a necessidade de se regulamentar os marketplaces. No caso do varejo farmacêutico, passa muito pouco pelos marketplaces.

P. - O que espera de uma reforma tributária?

AP - Esse governo entrou com proposta bem reformista. Agora, existem jeitos e jeitos de fazer reforma. Parece que o gol é falar que foi feito reforma, não importa qualidade e extensão. A questão é ter foco no aumento da base de arrecadação. É trazer todo mundo para arrecadar dentro do sistema. Se o sistema é imposto digital, ao qual eu sou simpático, ou se é outro, não importa. O que importa é que a base tem que ser aumentada. Se não alargar a base, não pode diminuir o volume.

O IDV não quer se posicionar contra reforma tributária. A gente quer é o equilíbrio competitivo. E isso é análogo em outras reformas. A administrativa estava quase toda preparada, de repente, começa concessão daqui, concessão de lá e estaciona.

Assim foi com o processo de privatizações. Até que esse tema ainda teve um encaminhamento recente um pouco mais agressivo. Mas é isso é com todas as reformas. A própria trabalhista, já se começa a falar em reversão ou ajuste. A gente lutou muito pela reforma trabalhista. É complexo falar em reforma. Não é simplesmente ticar uma por uma e falar que foi reformista.

P. - A campanha do Lula fala em mexer na trabalhista. Como avalia?

AP - Uma coisa é promover alguns ajustes, até cabíveis. O que não pode é desmontar o escopo da reforma. Não pode voltar aquele poder exagerado aos sindicatos, que fomentava uma estrutura gigante e até com destinação de recurso que muitos questionavam. Não pode voltar discussão sobre sucumbência, de pagar custas advocatícias para reclamações sem procedimento. Outro ponto importante é o trabalho parcial.

Ajustes pode ter. Agora, já ouvi falar em revogar completamente. Em outro momento, que seriam ajustes. O discurso não está muito claro.

P. - O sr. faz parte de um grupo de empresários que se chamam de Nem Nem, os defensores da terceira via. O que estão achando? Somos defensores da terceira via, sem trégua, até o final. Eu não penso em outra coisa que não seja uma terceira via. A minha candidata é a Simone Tebet. Acho que a campanha ganha peso com a liberação de verba. Não tenho plano de apoiar outro candidato.

Eu vejo problema nos dois. Bolsonaro assume um desconhecimento do país. Acho muito sério ele falar que não tem conhecimento sobre economia. Não consigo entender como é que alguém pode conduzir um país sem conhecer de economia. Troca ministérios, o Ministério da Educação, o mais importante do país, cinco, seis trocas de ministros e não caminhou. Existem receitas extraordinárias para a educação, alternativas que foram colocadas com sucesso em estados e municípios. É questão de vontade política.

Do outro lado, um candidato como o Lula a gente olha com grande preocupação sobre caminho de fortalecimento do Estado, antirreforma. Sinceramente, entre um e outro, não tenho escolha, só penso em uma terceira via.

P. - Que tipo de mudança de cenário o sr. espera ver após os efeitos dos recursos da PEC que amplia benefícios sociais?

AP - Injetar mais recursos na economia, seguramente, resolve um problema momentâneo. Pode alavancar vendas do varejo. Mas não resolve em nada o problema estrutural do país. A desigualdade que o país vive hoje, e o cenário que ele tem pela frente são extremamente preocupantes.

Às vezes, a gente tende a falar que o Brasil é maior do que todas as crises. O Brasil é maior, mas a desigualdade cresce cada vez mais. Então, acho que é um tema que vai alavancar vendas de varejo, é um tema que tem totalmente a ver com eleições. Tem objetivo sim de interferência no processo de eleições.

O que precisamos realmente é solucionar problemas estruturais e não simplesmente fazer injeção emergencial. Agora, vai ser bom para o varejo, que vai capturar algo disso.

RaiaDrogasil

Criada em novembro de 2011 após a fusão entre as redes Droga Raia e Drogasil, que formou a maior rede do varejo farmacêutico do país, a RD (RaiaDrogasil) opera em todos os estados brasileiros, com 2.500 unidades. No ano passado, a companhia registrou faturamento de R$ 25,6 bilhões


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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