Congresso precisa rever aumento de tarifa de Itaipu, diz Academia de Engenharia
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os governos de Brasil e Paraguai construíram uma "tese de negociação" para inflar a tarifa de Itaipu e criar um caixa extra para bancar obras. A articulação fere o tratado binacional e penaliza o consumidor de energia, especialmente os brasileiros, que arcam com 80% dos custos da usina binacional. Essa é a avaliação de um documento extenso e detalhado sobre os reajustes tarifários de Itaipu redigido pela ANE (Academia Nacional de Engenharia).
Nesta sexta-feira (6), estudo foi enviado para aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, e para o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa.
O documento afirma que o Congresso precisa analisar os termos do acordo firmado em 16 de abril deste ano por ministro de ambos países. Esse termo de entendimento, alerta a entidade, elevou indevidamente, para os anos de 2024, 2025 e 2026, a tarifa de Itaipu, tecnicamente chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade).
Pelo Brasil, o referido acordo for negociado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).
Segundo a ANE, o documento pode ser contestado porque confronta o artigo 49, inciso I da Constituição Federal. Esse trecho determina que "é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional' --caso do acordo.
"O mais relevante de todos os itens desse acordo internacional resultará numa conta 'adicional' para os consumidores de ambos os países de US$ 670 milhões por ano. Caberá aos consumidores brasileiros arcarem com cerca de 80% desse custo, algo da ordem de US$ 540 milhões por ano, a partir de 2024, com poucas chances de haver retroatividade após aprovação", detalha o documento.
"O MME concedeu entrevistas prometendo um cashback de US$ 300 milhões por ano alegando que tal valor 'neutralizaria' e 'zeraria' o impacto do acordo nas contas dos consumidores, mas o fato é que tais US$ 300 milhões representam apenas 55% dessa elevação."
A ANE detalha as inconsistências de reajustes anteriores, negociados em 2022, no final do governo de Jair Bolsonaro (PL), e 2023, já na gestão de Luis Inácio Lula da Silva (PT), para defender o ressarcimento mais amplo aos consumidores brasileiros (leia abaixo, projeções para esse cashback por estado).
Reafirmando dados já publicados em reportagens da Folha sobre o tema, o texto detalha como o dois países foram negociando o aumento da chamada despesa de exploração de Itaipu, onde são contabilizados desembolsos com obras e projetos socioambientais, à medida que o custo da dívida para a construção da usina foi caindo.
"A partir de 2022, quando o serviço da dívida começou a diminuir e, em 2023 e 2024, quando o serviço da dívida foi zerado, a tarifa de Itaipu poderia ter baixado significativamente. Mas não diminuiu porque o extinto serviço da dívida foi substituído por novas despesas, não previstas no tratado original e de questionável legitimidade à luz do Tratado, as chamadas 'benfeitorias socioambientais'", destaca o texto.
Nesses três anos, os governos aumentaram a despesas de exploração artificialmente, de US$ 700 milhões para US$ 2,2 bilhões, diz a ANE. Isso impediu que a tarifa tivesse a queda correta e justa para os consumidores. A tarifa, que deveria estar em US$ 9, segundo a ANE, mas está em US$ 19,28.
A ANE também esmiúça outros itens do acordo.
Pede atenção, por exemplo, sobre a autorização para o Paraguai exportar, desde já, energia para o Brasil. A Ande, estatal do Paraguai da área de energia, realizou o leilão no final de julho e, nesta sexta-feira (6), divulgou as empresas habilitadas. Até agora, porém, não detalhou como fará o fornecimento, alerta a ANE.
Para a entidade, é preciso condicionar a comercialização de qualquer energia do Paraguai para o mercado brasileiro à existência de meio físico, com viabilidade efetiva dessa energia escoar para o Brasil.
"É sabido tecnicamente que não há condições físicas de haver fluxo de energia do sistema do Paraguai para o sistema do Brasil via elo de corrente contínua de Furnas, exceto a própria energia de Itaipu", destaca a ANE.
"É importante que tal tema venha ser melhor esclarecido antes de qualquer pagamento por parte de comercializadoras brasileiras à operadora Ande, sob o risco de se estar negociando uma energia que, na verdade, já estaria vendida. Não seria aceitável que os consumidores brasileiros pagassem duas vezes pela mesma energia."
A ANE também pede o fim do acordo operativo de Itaipu. O documento assinado pelos ministros prorroga esse acordo, que vigorou de 2007 a dezembro de 2023. A entidade explica que ele dá vantagem ao Paraguai para ficar com a energia adicional produzida por Itaipu, que custa um quinto do custo da produção principal, prejudicando o Brasil. Segundo a ANE, isso fere Artigo III do Tratado, que determina na igualdade de direitos e obrigações entre os sócios.
No alerta, a entidade cita reportagem publicada pela Folha, .que mostra que, até 2022, os consumidores brasileiros do mercado cativo já teriam pagado R$ 9 bilhões por causa do acordo operativo.
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