Casas Bahia tenta provar 'ação predatória' de advogados na Justiça do Trabalho
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O grupo Casas Bahia iniciou uma ofensiva judicial contra o que seu vice-presidente jurídico Fabio Eduardo De Pieri Spina considera ser advocacia predatória promovida por meio do ingresso de ações trabalhistas similares.
A companhia conseguiu duas vitórias contra o escritório Marcos Roberto Dias Sociedade de Advogados, que se apresenta como referência na defesa de trabalhadores do varejo. O escritório nega e diz, em nota, que a varejista tenta sujar seu nome e age de má-fé.
As corregedorias dos Tribunais Regionais do Trabalho de Rio e Minas Gerais determinaram investigações. Nos pedidos de providência iniciados pela Casas Bahia, porém, os juízes federais negaram liminares para suspender todos os casos em andamento, como queria a companhia.
Segundo Carlos Zangrando, coordenador trabalhista do Décio Freire Advogados, que representa a varejista nesses processos, o Marcos Roberto Dias têm 8.915 ações contra a Casas Bahia, "grande parte com causas e pedidos idênticos, em várias regiões do Brasil."
No TRT da 3ª Região, em Belo Horizonte, o corregedor Manoel Barbosa da Silva determinou que os juízes de primeira instância investiguem, nos próximos 60 dias, se existem elementos de atuação predatória nas ações do escritório e decidam pelo prosseguimento ou extinção dessas ações.
No Rio, o corregedor Marcelo Augusto Souto de Oliveira mandou o Centro de Inteligência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região monitorar as ações do escritório para verificar se há padrão de conduta abusiva.
No LinkedIn, o vice-presidente jurídico do grupo comemorou as decisões e escreveu que "há em alguns casos, testemunhas falsas, milhares de ações com fatos idênticos, autores fantasma e procurações falsas".
O Marcos Roberto Dias disse que a acusação de falsidade é algo "jamais apurado em qualquer um dos processos patrocinados" pelo escritório.
Spina também escreveu que a advocacia predatória sobrecarrega a Justiça e tira dinheiro dos negócios. "Causam demissões e até fechamento de empresas."
No pedido encaminhado ao TRT-1, os advogados da Casas Bahia defendem que o escritório tem causas idênticas "mesmo diante de relações de trabalho distintas", faz cooptação de clientela e de testemunhas. As petições iniciais das ações trabalhistas contra a varejista seriam genéticas e padronizadas, afirmam os advogados da empresa.
Nesse processo, a Casas Bahia lista uma série de processos extintos sem análise porque o juiz ou juíza considerou que tenha havido demanda predatória.
Das 18 ações citadas pela varejista no pedido de providências, o escritório Marcos Roberto Dias afirma que dez decisões de extinção foram revertidas pelo TRT-1 e que as demais aguardam julgamento de recurso.
A discussão sobre litigância predatória vem de uma recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que em 2024 emitiu uma recomendação a juízes e tribunais para que identifiquem e previnam esse tipo de abuso.
O grupo Casas Bahia diz que segue "atuando de forma intensa na tratativa de seus processos jurídicos relacionados à demandas trabalhistas."
A companhia afirma que não comentará processos em andamento, mas defende que as decisões da corregedoria reforçam "a necessidade da continuidade das investigações sobre a prática de litigância predatória por parte de alguns escritórios de advocacia, bem como os prejuízos gerados ao exercício da Justiça."
As demandas judiciais representam importante fluxo de caixa para Casas Bahia. No terceiro trimestre de 2024, a companhia gastou R$ 213 milhões, 42% menos do que R$ 367 milhões do mesmo período em 2023, considerando todo tipo de ação judicial, não apenas trabalhistas.
Até 30 de setembro de 2024, o grupo tinha R$ 661 milhões em provisões para bancar demandas na Justiça do Trabalho. Um ano antes era de R$ 825 milhões.
Apesar a comemoração pública de seu vice-presidente jurídico, a Casas Bahia registrou derrotas na tentativa de provar que o escritório que atende ex-funcionários abusa da litigância.
No TRT-4, no Rio Grande do Sul, o juiz federal Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, presidente do tribunal e do Centro de Inteligência regional, concluiu, em parecer de maio de 2024, que não era possível identificar a litigância abusiva ou predatória.
O juiz federal aponta que um grande número de ações trabalhistas com decisões favoráveis aos trabalhadores, ainda que parcialmente, poderia indicar "o reiterado descumprimento de obrigações trabalhistas".
O Marcos Roberto Dias é também autor de ações que buscam o pagamento de comissões e horas extras em lojas Magazine Luiza, que também apontou suspeita de abuso em processos.
Em um "incidente de verificação de litigância predatória" na Justiça do Trabalho de Divinópolis, o juiz Anselmo Bosco do Santos considerou que faltavam provas.
"A identidade de pedido e causa de pedir das ações tanto pode decorrer da prática predatória como do fato de que os modelos de gestão (sistemas de trabalho, remuneração etc.) são repetidos país afora", escreveu o juiz.
Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalho arquivou em agosto de 2024 um inquérito civil que apurava abuso em ações abertas contra grandes varejistas.
A briga de Casas Bahia com o escritório Marcos Roberto Dias vem de alguns anos. Em 2021, uma representação foi enviada à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Em 2023, turma do Tribunal de Ética e Disciplina da seccional de São Paulo julgou improcedente o pedido que, à época, não usava o termo advocacia predatória; falava em captação de clientela e em ações sem provas razoáveis.

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