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BC prevê estouro da meta de inflação e aponta fiscal e câmbio como riscos em ata

Por Folha de São Paulo

04/02/2025 13h45 — em
Economia



BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Banco Central prevê um novo estouro da meta de inflação em junho, conforme o sistema de alvo contínuo em vigor desde o início do ano, mostrou ata do Copom (Comitê de Política Monetária) divulgada nesta terça-feira (4).

O colegiado do BC também ressaltou a questão fiscal e o câmbio como riscos para a convergência da inflação à meta.

No modelo de avaliação contínua, a autoridade monetária busca a meta sem se vincular ao chamado ano-calendário, ou seja, ao período de janeiro a dezembro. Atualmente, o BC toma suas decisões com o terceiro trimestre de 2026 na mira.

O alvo central é 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que a meta é considerada cumprida quando oscila entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

"Em se concretizando as projeções do cenário de referência, a inflação acumulada em 12 meses permanecerá acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta nos próximos seis meses consecutivos. Desse modo, com a inflação de junho deste ano, configurar-se-ia descumprimento da meta sob a nova sistemática do regime de metas", afirmou.

No cenário de referência do Copom, a projeção de inflação para este ano subiu para 5,2% –acima do teto. Para o terceiro trimestre de 2026, a estimativa é de 4%.

Logo após assumir o cargo, Gabriel Galípolo teve de se justificar pelo descumprimento do objetivo em 2024, ainda na gestão de Roberto Campos Neto. Em carta aberta, atribuiu o estouro à força da economia brasileira, ao câmbio depreciado e a fatores climáticos, em um cenário de expectativas deterioradas.

Para o Copom, o cenário de inflação no curto prazo continua adverso. Entre os fatores, citou a elevação "de forma significativa" dos preços dos alimentos, puxada pela seca e pela alta dos preços de carnes. Segundo o colegiado do BC, a tendência é esse aumento se propagar para o médio prazo.

O tema é motivo de preocupação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem discutindo alternativas para baratear os preços dos alimentos.

Na ata, o Copom reafirmou a necessidade de políticas fiscal e monetária "harmoniosas", discurso em linha ao do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em relação ao comunicado, empregou um tom mais duro ao falar em disciplina fiscal e alertar para a expansão de crédito.

"O comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade", disse.

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, o desconforto do Copom com as expectativas e a avaliação do cenário de crescimento mais acelerado indicam que as pressões inflacionárias recentes tiveram como origem a expansão fiscal.

"A harmonia entre as políticas monetária e fiscal é fundamental para a convergência da inflação para a meta", afirmou.

Ela vê necessidade de o comitê discutir a potência e os limites da política monetária, uma vez que a taxa, em patamar já bastante restritivo, tem tido impacto limitado para levar as expectativas em direção à meta.

O Copom disse acompanhar com atenção as oscilações do câmbio, em função do risco fiscal no ambiente doméstico, da política econômica dos Estados Unidos e do diferencial de juros.

"Seguia válida a visão anterior da possibilidade de uma elevação de inflação a partir de uma taxa de câmbio mais depreciada. Desse modo, ainda que parte dos riscos tenha se materializado, o Comitê julgou que eles seguem presentes prospectivamente", disse.

Para o colegiado do BC, o cenário segue desafiador, com incertezas geopolíticas relevantes. Uma das dúvidas refere-se à introdução de tarifas sobre importações e alterações em preços em caso de mudanças na matriz energética, o que pode trazer impactos negativos para economias emergentes, como o Brasil.

Em resposta à tarifa adicional imposta por Donald Trump sobre todas as importações chinesas, Pequim impôs nesta terça tarifas sobre importações dos EUA, renovando a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.

Na última quarta (29), o Copom elevou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, para 13,25% ao ano. O comitê reafirmou a sinalização de que pretende fazer mais uma alta da mesma intensidade em março. Mas evitou se comprometer com qualquer ritmo de ajuste depois disso.

Se cumprir o prometido, a Selic vai atingir o pico registrado durante a crise do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, no patamar de 14,25% ao ano.

Para as próximas decisões, o comitê acompanhará o ritmo da atividade econômica, o repasse do câmbio para a inflação e as expectativas, que se distanciaram ainda mais da meta.

Foi a primeira reunião desde que Galípolo assumiu a presidência do BC, em 1º de janeiro. Ele é um nome de confiança do presidente Lula. Um dia depois da decisão do Copom, o chefe do Executivo disse confiar que Galípolo vai criar as condições de entregar "uma taxa de juros menor no tempo que política permitir".

Na ata, o colegiado do BC alertou que o mercado de trabalho segue aquecido e reforçou que a desaceleração da atividade econômica é parte do processo de desinflação. Segundo o comitê, os dados mais recentes dão sinais "incipientes" de moderação do crescimento da economia.

"O comitê avalia que a conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e vigor nas concessões de crédito amplo tem dado suporte ao consumo e à demanda agregada", disse. "[...] Reforça que o arrefecimento da demanda agregada é um elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta", acrescentou.

Os membros do Copom disseram também que o mercado de crédito se manteve "pujante", mas observaram algum recuo no crédito bancário, em particular nas linhas de baixo risco para pessoas físicas. Por outro lado, ressaltaram que o mercado de títulos privados segue com crescimento acima do esperado.

Para André Muller, economista-chefe da AZ Quest, a ata trouxe moderação na análise sobre a desaceleração da economia e mostrou que o cenário ainda requer uma postura conservadora da autoridade monetária.

Ele considera que o Copom deverá continuar a escalada da Selic para além da reunião de março. "A descrição do cenário e as qualificações relacionadas ao risco de atividade mais fraca foram todos em uma direção de um aumento da chance, que já era majoritária, de o comitê seguir subindo os juros", disse.


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