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Barbosa e Pessôa divergem sobre cumprimento do teto de gastos em 2021

Por Folha de São Paulo

22/10/2020 15h33 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os economistas Nelson Barbosa e Samuel Pessôa concordam que será inevitável o governo rediscutir o gasto público, diante do forte aumento do endividamento com a pandemia, e avaliam que uma eventual mudança do teto de gastos precisa ser combinada com uma sinalização clara de que reformas estruturais serão feitas para conter a trajetória do gasto à frente.

O consenso entre os dois pesquisadores do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), que participaram nesta manhã de seminário virtual promovido pela Folha de S.Paulo, no entanto, termina aí.

Barbosa defende que o teto de gastos precisa ser revisto já em 2021, reconhecendo que isso geraria um impacto inicial no preço dos ativos brasileiros -com desvalorização adicional do real, queda da bolsa e inclinação da curva de juros futuros-, mas avalia que esse efeito logo se dissiparia, caso a nova regra se mostre crível.

Já Pessôa avalia que o melhor para o próximo ano é voltar a cumprir o teto, instrumento que, na sua visão, ancora as expectativas de longo prazo e permite a manutenção dos juros baixos. Para o economista, a volta do setor privado com a reabertura da economia daria conta de manter a atividade, mesmo com a retirada dos estímulos fiscais no próximo ano.

"Tenho defendido a flexibilização do teto de gastos não só por causa da pandemia, mas já antes dela", disse Barbosa, pesquisador associado do Ibre FGV e ex-ministro da Fazenda e do Planejamento durante o governo Dilma Rousseff (PT). "Todos os economistas sabem que o teto de gastos foi um remendo, feito em 2016 para durar pouco tempo e a pandemia antecipou essa validade."

Segundo o economista, a expansão fiscal adotada pelo governo em resposta à pandemia foi acertada e deve garantir que a queda do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro esse ano seja menor do que em outros países. Mas será um erro voltar à política pré-crise no próximo ano, pois a crise não vai acabar rapidamente.

"Tudo indica que várias das medidas que estão em operação terão que ser estendidas, ainda que de modo gradual, para 2021", disse, lembrando ainda que a aceleração da inflação deve ampliar gastos obrigatórios, devido ao reajuste maior do salário mínimo, o que deve resultar em gasto previdenciário e com assistência social também maior.

"Nesse contexto, o ideal é que se faça uma flexibilização adicional [do teto de gastos], controlada, e com autorização do Congresso", sugeriu. Para Barbosa, um modelo possível seria ampliar a previsão de déficit para o próximo ano para 5% do PIB, por exemplo, ante expectativa atual de 3% -vindo de um déficit esperado de cerca de 12% do PIB em 2020.

Esse aumento de 2 pontos percentuais no déficit, segundo ele, liberaria R$ 150 bilhões para o Orçamento que poderiam ser usados para extensão do auxílio, campanhas de testagem e vacinação, reforço escolar e retomada de obras. "Seria uma coisa limitada, mas extra teto, para fazer com que a economia volte ao 'novo normal' de forma mais suave, não tão abrupta."

Pessôa, por sua vez, defende a retomada do teto no próximo ano. "Seria muito importante que no próximo ano se volte a um Orçamento compatível com o teto dos gastos", disse, citando a preocupação com a dinâmica da inflação e da relação entre dívida pública e PIB como fatores essenciais nessa retomada da trajetória de consolidação fiscal.

"Pelo fato de o gasto fiscal esse ano não ter sido para sustentar a atividade, mas para sustentar as pessoas em casa, se protegendo do vírus, se houver uma transição entre a saída do [gasto] público e a entrada da economia privada -e essa transição está ocorrendo- talvez tenhamos uma recuperação mais forte do que se imagina."

Assim como Barbosa, Pessôa avaliou que a política monetária entre 2017 e 2018 foi menos expansionista do que o necessário, o que explica a carência de demanda que resultou em um crescimento do PIB em torno de 1% entre 2017 e 2019.

"Mas isso mudou, vamos entrar no ano que vem com uma política monetária bastante expansionista. Então acredito que estamos com um pacote de política econômica que sustenta uma recuperação da economia, mesmo se formos para uma contração fiscal ano que vem."

Mediador do debate, o repórter especial Fernando Canzian questionou Barbosa se uma eventual mudança do teto não poderia levar o setor privado a "tirar o pé do acelerador" e a uma piora das condições financeiras, o que resultaria em uma desaceleração da economia que anularia o efeito do aumento do gasto público.

Barbosa disse que esse mesmo temor, que mexe com dólar, bolsa e juros, aconteceu no fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando se percebeu que o câmbio fixo não era mais sustentável; também em 2002 com a eleição de Lula (PT); e em 2015, quando o governo Dilma Rousseff anunciou um Orçamento com déficit. Mas que a volatilidade nos ativos sempre foi temporária e posteriormente revertida.

"Vamos passar pela mesma coisa agora. O que temos que decidir é como. Essa mudança vai gerar ruído, já está gerando aumento de câmbio e abertura da curva [de juros]", afirmou, avaliando que isso se deve à percepção de que a manutenção do teto no próximo ano é inviável.

"A incerteza sobre o que a sucederá gera essa instabilidade. Se você tiver um plano crível de saída, que seja gradual e, principalmente, delimite o tamanho do problema, na hora que ele for anunciado vai haver depreciação adicional do dólar e a curva [de juros] vai abrir. Mas à medida que as pessoas perceberem que o plano é factível, isso se reverte."

Pessôa concordou com Barbosa que a gestão de expectativas é importante e que, nesse sentido, uma eventual mudança do teto precisaria ser combinada com medidas estruturais que sinalizem no longo prazo que mais à frente haverá queda da dívida.

"Mas aí tem que votar PEC emergencial, reforma administrativa, mexer na questão federativa. Tem que ter um conjunto de medidas que sinalize que essa dívida que vai para 95% do PIB esse ano e, se a gente colocar mais déficit no ano que vem, ela vai para 100%, 105% do PIB no próximo ano, que em algum momento lá na frente vamos entrar em estrutura de queda", disse Pessoa.

"Não dá para discutir o curto prazo e essa transição sem fazer o pacote todo. Perdemos essa oportunidade porque o endividamento subiu muito. Hoje, ou fazemos a discussão do pacote completo, ou é melhor deixar o status quo."

Barbosa concordou com Pessôa que é preciso fazer uma reforma administrativa, para que os novos entrantes no serviço público comecem em carreiras mais adequadas à realidade brasileira. Já uma reforma tributária poderia incluir a revisão de desonerações, aumento de carga tributária para os mais ricos e melhora da eficiência na tributação indireta.

"A flexibilização do teto de gastos, que exige uma PEC, pode ser feita junto com essas outras coisas, e aí você estará dando a âncora para as expectativas e a flexibilização necessária no mesmo instrumento. A grande dificuldade é isso passar no Congresso."

Assim, Barbosa avalia que o cenário mais provável é que o estado de calamidade e o orçamento de guerra sejam prorrogados por mais seis meses, e que a lei orçamentária não seja votada - mas apenas a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que estabelece metas. Sem orçamento, o governo teria na prática no próximo ano o controle total da despesa, liberando gastos a conta gotas, o que tende a gerar uma forte contração fiscal.

Com desemprego em alta e provável pressão de estados para recompor a arrecadação após o fim do auxílio emergencial, deve haver pressão grande no próximo ano para mudança da política fiscal. "Por isso eu e vários economistas dizemos que é melhor começar a discutir isso logo, do que esperar a bomba explodir, porque daí pode sair qualquer coisa."

"Acho que temos muitas convergências", avaliou Pessôa. "Há convergência de que é preciso discutir o conflito distributivo. A divergência maior é que quero deixar a discussão mais ampla para depois da pandemia. Não quero fazer as duas coisas junto, porque acho que mistura muita coisa. É muito difícil ter clareza de repensar o desenho do Estado brasileiro quando estamos no meio de uma pandemia."

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