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Agência aceita usina backup para cobrir térmicas atrasadas da J&F que custam R$ 18 bi

Por Folha de São Paulo

19/05/2022 21h35 — em
Economia



SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - As térmicas a gás contratadas pelo novo regime simplificado estão em uma nova controvérsia: 4 dos 14 projetos que deveriam estar em operação desde 1º de maio, mas ainda estão em obras, serão cobertos por uma outra usina enquanto não ficam prontos.

O backup foi aprovado nesta terça-feira (17) em reunião de diretoria da Aneel (Agência Nacional do Setor de Energia Elétrica). O diretor relator, Efrain Pereira da Cruz, deu aval para a operação em caráter cautelar, ou seja, não é definitivo, mas libera a operação. Também participaram o diretor-geral substituto, Hélvio Neves Guerra, que presidiu os trabalhos, e o diretor Sandoval de Araújo Feitosa Neto.

A decisão suspendeu o pagamento de R$ 209 milhões mensais em multas. Segundo estimativas, as quatro térmicas vão custar R$ 18 bilhões até o final de 2025.

As usinas pertencem à Âmbar Energia, braço da J&J, também controladora da JBS, gigante global do setor de carnes. Enquanto estão em obras, a falta de sua geração será coberta pela oferta da Térmica Mário Covas, em Cuiabá, também da Âmbar.

A decisão da Aneel foi recebida com espanto por integrantes do setor de energia, pois a avaliação é que a agência não atuou em benefício do consumidor.

"Criaram um grande jabuti regulatório", afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, entidade que representa os grandes consumidores de energia. A alternativa, avalia ele, contraria a regra do leilão e o que foi previsto nos contratos e vai contra a redução da conta luz.

Há outros detalhes que incomodaram os especialistas do setor. Pelo contrato, as térmicas do leilão simplificado precisam ser novos projetos, construídos do zero, para expandirem o sistema de abastecimento, ou usinas que ainda não estivessem em operação na data do certame.

A cláusula 4.4 do contrato que rege o leilão estabelece que "a energia definida no contrato não poderá ser entregue por outa usina do vendedor, por outro agente da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], nem pelo conjunto dos agentes em razão de operação otimizada do SIN [Sistema Interligado Nacional]".

Esse documento tem o logotipo da Aneel (Agência de Energia Elétrica), pois foi ela que realizou o leilão, por delegação do MME (Ministério de Minas e Energia). O documento estava anexado ao edital.

"Para nós o contrato é claro ao vedar explicitamente a transferência de energia, e estamos preparando nossa contribuição à Aneel, na forma de um recurso", diz Pedrosa, da Abrace.

O pedido da Âmbar à Aneel para que aceite o backup dos projetos atrasados corre em sigilo na agência. Segundo pessoas ouvidas pela reportagem, a área técnica ainda nem avaliou. Procurada pela reportagem, a agência não respondeu.

​Em nota, a Âmbar afirmou que os projetos serão integralmente entregues, dentro do prazo contratual, adicionando capacidade de geração ao sistema elétrico.

"A proposta da companhia mantém a construção das novas usinas, já em andamento, além de reduzir a emissão de gás de efeito estufa em 15 vezes e beneficiar o consumidor em R$ 628 milhões em relação ao projeto inicial", afirma o texto.

As térmicas deveriam começar a gerar energia em 1º de maio, com fornecimento regular até 2025. Não são desligadas como outras térmicas. O adiamento na operação prevê multa e cancelamento do contrato após três meses de atrasos, ou seja, 1º de agosto.

A térmica de Cuiabá, que tem cerca de 20 anos, não se encaixa no perfil estabelecido na regra, afirma Pedrosa. "Essa decisão protege a térmica prejudicando o consumidor", diz.

"O agente ganhou o leilão com uma proposta, e quando ganhou, essas térmica não poderia ter participado da licitação porque era uma térmica existente, que inclusive gerou emergencialmente para atender os consumidores, por decisão do governo, a um custo caríssimo. Não podia participar do leilão, então, não entrou pela porta da frente, mas agora entra pela porta de trás."

Entre executivos mais antigos do setor energia, circulou a seguinte analogia para explicar como interpretaram a decisão da agência: em outubro venderam um carro zero para entrega em maio. Chegou maio, o intermediário, a Aneel, autorizou que entregassem um Fusquinha 2002 no lugar.

Entidades do setor de energia e de defesa do consumidor, que já consideravam essas térmicas desnecessárias e caras, estão pedindo explicações à agência. Internamente, a decisão da diretoria também causou mal-estar. Um superintendente da área de geração da Aneel tem dito a colegas que não assina estudos para embasar resolução sobre as térmicas da Âmbar.

A Abrace já havia enviado correspondência à Aneel mostrando que a maioria dessas térmicas estava atrasada e solicitando que, dado o seu alto custo, seria prudente aplicar a suspensão dos contratos das empresas que não gerassem energia até a data limite.

Associações de defesa dos consumidores estudam recorrer à Justiça para impedir a substituição de quatro térmicas. A entidade também entende que a decisão da própria agência fere as regras do leilão que contratou os projetos.

Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia) e Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) classificaram como "lamentável" e "deplorável" a decisão da Aneel que permite à Âmbar usar energia da térmica de Cuiabá, já pronta, para cumprir os contratos.

O leilão contratou 775,8 MW (megawatts) a um custo total de R$ 39 bilhões, com o objetivo de garantir a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas. Até o momento, apenas uma usina entrou em operação.

"É lamentável a justificativa do diretor Efraim Pereira da Cruz [relator do caso] de que a decisão atende ao interesse público", disse o diretor-presidente da Anace, Carlos Faria. "O processo é totalmente irregular, pois as regras do leilão exigiam que os empreendimentos fossem novos."

​A associação diz que a decisão abre precedente para que outros vencedores do leilão peçam substituição dos empreendimentos atrasados e se livrem das multas contratuais.

"Não faz sentido que os projetos inviáveis contratados no leilão sejam substituídos por usinas existentes. Nesse contexto, à Aneel cabe apenas a função de cobrar as multas de quem não cumprir seus contratos", disse o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, Anton Schwyter.

"Essas térmicas ferem princípios da administração pública e impõem aos consumidores uma energia cara, poluente e desnecessária"​, completa.

O Idec já havia ido ao TCU (Tribunal de Contas da União) solicitar a suspensão de todo o processo de contratação de térmicas emergenciais, alegando que as chuvas de verão ajudaram a recuperar os reservatórios, eliminando a necessidade dos projetos.

O setor elétrico questiona ainda o alto custo da contratação, que teve um valor médio de energia de R$ 1.560 por MWh (megawatt-hora), mais de sete vezes o valor alcançado nos leilões para o mercado regulado, que foi de R$ 210 por MWh em 2019.

Enquanto opera como backup, a térmica de Cuiabá vai receber R$ 616,03 R$/MWh, um valor inferior ao leilão e ao do mercado para projetos de gás semelhantes. Por causa da guerra, o preço do gás teve repique e um projeto do gênero ficaria acima de R$ 3.000.

No entanto, o valor é considerado elevado comparado com outras fontes ou com a média atual, com os reservatórios das hidrelétricas cheios. A projeção é que o preço da energia no mercado à vista neste ano fique abaixo de R$ 60/MWh.

Por causa dessa imensa diferença, o Idec foi além na tentativa de amenizar o efeito das térmicas emergenciais a gás na conta de luz. Protocolou, na sexta-feira (12) denúncia contra elas no TCU (Tribunal de Contas de União).

O órgão quer a suspensão completa de todas as térmicas em benefício da coletividade, pois vão custar quase R$ 40 bilhões e elevar a conta de luz em 4,5% na média.

Enquanto as usinas não estiverem gerando energia, porém, os projetos não recebem receita. Por isso, a CCEE (Câmara Comercializadora de Energia Elétrica) estima que, com os atrasos, o custo dessas térmicas cai de R$ 8,1 bilhões para R$ 2,9 bilhões este ano.

Ainda no ano passado, a Anace questionou a modelagem do leilão, batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Há menos de um mês, a entidade encaminhou à Aneel um levantamento mostrando atrasos generalizados na construção dessas térmicas a gás, e pediu a aplicação das multas e suspensão dos contratos, como definido em regulamento do setor.


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