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Cérebros de jovens com problemas de conduta são diferentes

Por Agência O Globo

17/06/2016 5h26 — em



RIO - Jovens com problemas graves de conduta apresentam diferenças marcantes na estrutura de seus cérebros quando comparados com outros de bom comportamento, numa das mais claras indicações até agora de que suas atitudes rebeldes também podem ter raízes em alterações no desenvolvimento do órgão ainda na infância ou já na adolescência. A conclusão é de estudo que usou exames de ressonância magnética para analisar os cérebros de dois grupos de adolescentes e jovens adultos recrutados em duas cidades do Reino Unido e publicado na última edição do periódico científico “Journal of Child Psychology and Psychiatry”.

Segundo os pesquisadores das universidades de Cambridge e Southampton, em colaboração com cientistas da Universidade Tor Vergata de Roma, na Itália, a estrutura de diversas regiões do cérebro de adolescentes do sexo masculino diagnosticados com desordens de conduta — caracterizadas por frequentes problemas comportamentais como agressividade, destrutividade, mentiras, roubos e, no caso dos mais velhos, também porte e uso de armas e longas noitadas — tem padrões na espessura do córtex, a parte mais exterior do órgão e responsável por suas funções mais sofisticadas, diferentes dos bem-comportados. E estes padrões também variam entre os próprios jovens com desvios de conduta, dependendo se o mau comportamento teve início já na infância ou só a partir da adolescência.

 

— Já havia evidências de diferenças nos cérebros de indivíduos com sérios problemas de comportamento, mas elas eram frequentemente simplistas e só se focavam em regiões como a amídala, que se sabe ser importante no comportamento emocional — conta Luca Passamonti, pesquisador do Departamento de Neurociência Clínica da Universidade de Cambridge e líder do estudo. — Mas as desordens de conduta são um problema complexo, e desta forma esperávamos que as alterações (no cérebro) fossem mais complexas e envolvessem outras regiões.

No estudo, os cientistas recrutaram na região de Cambridge 58 adolescentes e jovens adultos com problemas de conduta, dividindo-os em dois subgrupos — dos que já demonstravam comportamentos antissociais na infância e dos que só vieram a apresentar mau comportamento na adolescência —, além de mais 25 com histórico de bom comportamento, que serviram como grupo de controle. Todos tinham idades entre 16 e 21 anos e, quando examinados por ressonância magnética, os cientistas observaram que os que já eram problemáticos na infância tinham um número notavelmente maior de correlações na espessura do córtex, isto é, similaridades em seu desenvolvimento, entre as 34 “regiões de interesse” medidas do que os jovens “normais”.

Paradoxalmente, no entanto, os jovens que só começaram a ter atitudes antissociais a partir da adolescência mostraram muito menos destas correlações em seus cérebros, ou seja, um padrão de desenvolvimento das diferentes regiões do córtex cerebral mais desequilibrado, do que os adolescentes de bom comportamento. Intrigados com tão marcantes diferenças nos padrões de estruturas cerebrais entre os jovens, os pesquisadores resolveram replicar os exames de ressonância magnética em um segundo grupo de 37 adolescentes problemáticos e outros 32 “normais” com entre 13 e 18 anos convocados na região de Southampton, encontrando os mesmos padrões no desenvolvimento do órgão.

Os cientistas acreditam que, no caso dos rebeldes precoces, a maior covariância na espessura do córtex nas várias regiões do cérebro seja reflexo ou de uma maturação acelerada de áreas que deveriam se desenvolver mais tardiamente ou uma maturação atrasada de áreas que teriam que se desenvolver cedo. Já no caso dos jovens que se tornaram mal comportados com a adolescência, o maior desequilíbrio seria fruto de problemas em processos típicos do desenvolvimento do cérebro, como na chamada “poda neuronal”, uma grande reorganização das sinapses e circuitos cerebrais que acontece nesta fase da vida.

— As diferenças que vemos entre os adolescentes saudáveis e aqueles com ambas formas de desordens de conduta mostram que a maior parte do cérebro está envolvida nisso, mas mais particularmente as regiões frontal e temporal — acrescenta Graeme Fairchild, professor do Departmento de Psicologia da Universidade de Southampton e coautor do estudo. — Isso nos dá uma evidência extremamente forte de que os problemas de conduta são uma desordem psiquiátrica real, e não, como alguns especialistas insistem, apenas uma forma exagerada de rebelião juvenil.

 

Ainda de acordo com os pesquisadores, apesar de seus achados apontarem para a importância do papel do cérebro na hora de explicar os comportamentos antissociais, não está claro como estas diferenças estruturais aparecem. Assim, mais estudos serão necessários para tentar esclarecer se, por exemplo, elas são resultado de uma interação da constituição genética do indivíduo com o ambiente, ou se a exposição a muitas adversidades logo no começo da vida é suficiente para desencadear este processo.

— Nunca houve dúvidas que condições como o mal de Alzheimer eram doenças do cérebro porque os exames de imagem permitem que vejamos claramente como ele destrói as células cerebrais — lembra Nicola Toschi, professor da Universidade Tor Vergata de Roma. — Mas até agora não podíamos ver o quão claras, e extensas, são as diferenças estruturais dos cérebros de jovens que apresentam desordens de conduta.

Além disso, os cientistas destacam que exames de ressonância magnética não poderão ser usados como previsores sobre que jovem poderá apresentar problemas comportamentais, já que não se sabe se são eles que levam às alterações no desenvolvimento do cérebro ou se são essas diferenças na maturação do órgão que causam os desvios de conduta. Os pesquisadores, no entanto, esperam que a descoberta ajude no tratamento de adolescentes rebeldes ao permitir o monitoramento da eficácia das intervenções.

— Agora que temos uma maneira de fazer imagens de todo o cérebro e contamos com um “mapa” das desordens de conduta, talvez possamos no futuro ver se as alterações que observamos neste estudo são reversíveis com intervenções precoces e terapias psicológicas — destaca Ian Goodyer, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge e outro coautor do estudo.


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