Benefícios remunerados fazem teto dos magistrados estourar
BRASÍLIA - Desde que o Congresso Nacional criou em 1998 o teto constitucional, ter salários excepcionais no serviço público ficou mais difícil. Mas, ao longo dos anos, os tribunais país afora encontraram seus caminhos. Para chegar às remunerações que estouram o teto, as cortes passaram a dar aos magistrados diversas vantagens pontuais, que, quando somadas, podem levar a valores vultosos.
As mais frequentes são auxílio-moradia, auxílio-alimentação e gratificações por acúmulo de varas. Mas a lista de benefícios é extensa: auxílio-saúde, desembolsos por produtividade, por aulas em escolas da magistratura, gratificação por cargos de direção, por integrarem comissão especial, por serem juízes auxiliares, licença especial, gratificações relacionadas ao magistério, “Bolsa Pesquisa”, “ajuda de custo” para se instalarem em outra cidade. Muitas vezes, juízes ainda fazem jus a pagamentos retroativos de alguns desses benefícios com base em decisões do próprio Judiciário.
A folha salarial do Tribunal de Justiça (TJ) de Rondônia é uma das mais detalhadas e ilustrativas de como os rendimentos são inflados — e inclui todos os benefícios acima. Na folha de julho, todos os 20 desembargadores e 133 juízes receberam auxílio-moradia, que chegou a R$ 6 mil.
No mesmo mês, 11 desembargadores e um juiz receberam auxílio-moradia retroativo, referente a um período em que o TJ não pagava o benefício. Quem ganhou menos levou R$ 22,4 mil. O mais afortunado recebeu R$ 43,5 mil. Segundo o TJ, trata-se de um benefício conquistado mediante acordo homologado no Supremo Tribunal Federal (STF), e que está sendo pago parceladamente. Isso vem de fato ocorrendo: nas folhas de maio e junho, os 12 magistrados receberam auxílio-moradia retroativo nos mesmos valores de julho.
Outra grande bolada paga aos magistrados rondonienses é a licença em pecúnia. Um desembargador e 11 juízes receberam um salário a mais em julho em razão disso. Segundo o TJ, o benefício é uma licença especial dada aos magistrados a cada cinco anos, que pode ser convertida em dinheiro. Além disso, quatro desembargadores e 33 juízes levaram R$ 3.047 cada em razão do trabalho na Escola da Magistratura de Rondônia (Emeron). Segundo explicação do TJ, “os magistrados qualificados, com mestrado ou doutorado, podem ser professores da Escola, que oferece curso de pós-graduação em direitos humanos, além de todos os programas de formação para magistrados e servidores”.
O TJ de Santa Catarina também é detalhista nos valores pagos a seus magistrados. Na folha de julho, 487 dos 499 magistrados do estado tiveram direito a auxílio-moradia, que pode chegar a quase R$ 4,4 mil. As gratificações ou vantagens por função ocupada ou acumulada beneficiaram 282 juízes e desembargadores em valores que podem ultrapassar os R$ 13,8 mil. Um grupo de 31 juízes foi beneficiado por bolsa de pós-graduação, chegando a ganhar até R$ 15,4 mil. Menos comum foi uma gratificação por produtividade em “sentenças de maior complexidade”, no valor de R$ 3.378,18, recebida por apenas um juiz.
Os outros tribunais não são tão detalhados quanto as Justiças catarinense e rondoniense, mas também mostram algumas vantagens e gratificações que elevam os valores pagos. Os auxílios, em especial o moradia, beneficiam quase toda a magistratura brasileira, sem a aplicação do chamado abate-teto, ou seja, sem a retenção de valores que superaram o teto constitucional de R$ 33.763 pago aos ministros do STF.
No Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com jurisdição sobre Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, um juiz de 1º grau ganhou R$ 9,2 mil em julho por ter ministrado um curso de especialização em processo civil, e outro levou R$ 2,3 mil como instrutor de um curso de formação de conciliadores. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com abrangência sobre os estados do Sul, 353 dos 412 magistrados receberam gratificação por acúmulo de jurisdição em agosto.
Mesmo na Bahia, onde há um dos menores percentuais de magistrados que ultrapassam o teto, há gratificações que garantem, por exemplo, uma verba adicional por “representação especial” aos cinco desembargadores que compõem a mesa diretora da Corte, e uma vantagem decorrente de pagamentos retroativos deferida através de processos administrativos.
As entidades que representam os magistrados enfatizam a legalidade dos recursos recebidos como indenizações, gratificações ou de forma eventual, e defendem, inclusive, a necessidade de reajustes. Nas palavras do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, que representa os juízes dos estados, os benefícios são “gambiarras” criadas para compensar a falta de atualização do teto do Judiciário. Ele afirma que o descumprimento da regra do teto decorre do fato de que a previsão de reajustes anuais, também expressa na Constituição, não vem sendo cumprida.
— Por que isso acontece e nós queremos uma definição? Porque existe um preceito constitucional que determina a recomposição dos subsídios todo ano. E isso não acontece. Estamos com uma defasagem de quase 40%. Se nós colocarmos essa defasagem e compararmos com essas gratificações, são gambiarras que se criam — afirmou Costa.
Ele ressalta que as verbas não violam o teto constitucional por terem caráter “indenizatório”, e não de salário, e defende ainda a aprovação de uma emenda constitucional, em tramitação no Congresso, que visa a uniformizar os rendimentos em todo o país.
O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, que representa os magistrados dos Tribunais Regionais Federais e os ministros do Superior Tribunal de Justiça, afirma não haver “abuso” e que no caso dos juízes federais os pagamentos extras são quase todos a título de auxílio-moradia e gratificações por acúmulo de jurisdição. Ele ressalta, inclusive, que a entidade pretende obter alguns benefícios que os magistrados dos estados têm, como a licença-prêmio.
— Estamos com um pedido no CNJ para nossa equiparação com a magistratura estadual, porque não temos os benefícios da magistratura estadual. Quando se diz que há abuso, posso afirmar que não é na Justiça Federal — afirma o presidente da Ajufe.
Procurados, os tribunais reiteraram em suas respostas a legalidade dos pagamentos, ressaltando sempre o embasamento em resoluções dos conselhos Nacional de Justiça (CNJ) e da Justiça Federal (CJF), além de decisões de outras instâncias do Judiciário.
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