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A dor de enterrar um familiar morto no massacre

Por Agência O Globo

09/01/2017 10h01 — em
Brasil


Foto: Reprodução

Vestindo sapatilhas amarelas e um vestido cor-de-rosa, a menina de 7 anos estava com os olhos vidrados no giro dos cataventos de plástico que enfeitavam lápides do Cemitério Campo da Saudade. Mal percebia o caixão do pai, Carlos Eduardo Loureiro, morto aos 31 anos na chacina da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), em Boa Vista. Neste domingo, 16 das 33 vítimas foram sepultadas no local.

— Quem está aqui é o Carlos Eduardo? Lembro muito dele, ia na aula, viu? Tava no primeiro ano do ensino médio, sempre usando um boné para trás — disse a professora da escola montada no presídio à mãe do rapaz, Maria das Graças, de 52 anos.

Preso aos 19 anos por esconder uma balança de supermercado roubada, o rapaz ainda seria processado por falsificação de moeda, ameaça e furto.

"O acusado tem bons antecedentes, possuindo, no entanto, uma condenação por furto, o que demonstra que tem conduta social irregular", escreveu o juiz da 4ª Vara Criminal Jésus Rodrigues em uma das sentenças. Pela baixa periculosidade, ele recebeu penas em regime semiaberto e aberto. Como não as cumpria, foi encarcerado na Pamc, de onde esperava sair em um ano.

— Fomos criados juntos. Ele não era assim. Não foi por questão de família, por não termos pai presente. Nosso tio nos educou melhor do que muito pai biológico, e eu não fui por esse caminho. Ele era cabeça de vento, maria vai com as outras, era muito bobo, muito bobo, meu irmão — descreveu, com voz embargada, a irmã Caroline Loureiro, de 32 anos.

Ela lembra que as coisas ficaram complicadas para a família quando o irmão começou a não conseguir lidar com a dependência de drogas. Sinalizava alguma mudança quando falava na filha de sete anos, e o desejo de vê-la crescer.

Morando em Rio Branco (AC), há quase 10 anos ela não via o irmão, mas falava com ele pelo telefone da mãe. No último Natal, lhe prometeu uma visita, mas ouviu dele que preferia vê-la "do lado de fora, em breve". Prometeu levá-lo a uma partida do seu time, o São Paulo.

Certa vez, a mãe dos dois, Maria das Graças Loureiro, de 52, teve a bolsa furtada em Boa Vista. Caroline fez questão de lembrar ao irmão que o que ocorrera era parecido com o que fizera a uma outra senhora de idade, furtada por ele quando estava em liberdade: "Você tá vendo o que causa a uma pessoa?"

Quando foi preso pela primeira vez, Carlos Eduardo ficou amigo de um detento que reencontraria por várias vezes na cadeia. O rapaz foi morto por integrantes do PCC em outubro de 2016. Há suspeita de que a morte de Carlos Eduardo esteja relacionada à amizade dos dois.

Por ter ficado tanto tempo sem ver o irmão, as lembranças mais vivas para Caroline eram as da adolescência. Chamada ao IML, anteontem, pediu para vê-lo, com medo de "jogarem qualquer coisa no caixão".


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ASSUNTOS: boa vista, ENTERRO, massacre, Brasil

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