A 'culpa do Zé' na morte de Dom Phillips e Bruno
'Foi o Zé', uma das crônicas do escritor pernambucano Nestor de H Cavalcanti marcou minha adolescência porque de sua leitura aprendi a moderar minhas impressões e a evitar prejulgamentos. Esses fragmentos de memória daqueles tempos reapareceram após ler diversos artigos de articulistas do Uol, da Folha e de O Globo sobre a tragédia que envolveu o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, mortos, queimados e esquartejados. “Bolsonaro querido dos criminosos...”, “ Governo parece aceitar a Amazônia sob domínio dos criminosos”, “Culpa do Bolsonaro”.
Acho Bolsonaro tão mal afamado quanto o Zé do conto de Nestor de Holanda Cavalcanti. Zé era uma pessoa ruim, como Bolsonaro, com a diferença de que nascera no dia de Finados. Não era imorrivel, nem imortal, nem incomível, como o presidente, mas estava na boca de todo mundo. Tudo era o Zé, que encarnava o mal, embora nem sempre ele fosse o causador desse mal.
Nestor conta que certo dia Pedrinho, um amigo de infância do Zé, apareceu baleado. O delegado o encontrou arquejando. Aproximou – se dele e perguntou: “ Atiraram de tocaia?” Pedrinho confirmou: “pois é”. E morreu. O coronel, que encarnava a figura do delegado, entendeu: ”foi o Zé”.
Esse conto é instigante e leva a muitas reflexões sobre julgamentos que fazemos ao sabor de fortes emoções.
Bolsonaro pode ser omisso, mas responsabilizá-lo pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips é um absurdo. Mostra como os jornalistas se tornaram parciais, permissivos e não se diferenciam de Bolsonaro ao cultivarem o ódio e, com seus comentários, contribuírem para a divisão do País.
Quando Bolsonaro diz que Dom Phillips e Bruno Pereira estavam em uma missão perigosa, está externando uma verdade.
Desde sua criação no Governo Fernando Henrique, o Vale do Javari tem sido invadido por Ongs, seitas religiosas, garimpeiros e, já naquela época, era uma rota para o tráfico de drogas. Pouco foi feito pelo governo brasileiro para mudar esse cenário nos últimos 30 anos.
Evidentemente que o afrouxamento promovido pelo governo Bolsonaro acentuou o problema, especialmente com o crescente aumento do número de garimpeiros e outros predadores do meio ambiente na região.
Mas se Bolsonaro é culpado, e os zés que governaram o País antes dele? O que fizeram ? Que é preciso fazer algo agora é fato. E urgente. Mas essa lenga-lenga, essas acusações mútuas, esse ódio, esse oportunismo de jornalistas que sequestraram a verdade factual - o resto para eles é fake news - não contribuem para nada. São apenas perigosos jogos de palavras.
O que a Nação quer e deseja urgentemente é um debate civilizado sobre as fronteiras do Brasil na Região Norte, especialmente áreas onde predominam o tráfico de drogas, de animais e de riquezas da floresta.
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.