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O bom e velho oeste

Por Agência O Globo

25/09/2016 10h26 — em
Arte e Cultura



Esta semana chega aos cinemas do Brasil e de diversos países o faroeste “Sete homens e um destino” (“The magnificent seven”), refilmagem do blockbuster de 1960 que narra a aventura de mercenários contratados para defender um povoado de um bando de malfeitores. A distância, um observador cético diria que se trata de um produto de nicho, coisa de executivo de Hollywood sem ideias e algum desespero. Ajustando a mira, no entanto, vê-se que não é bem assim. O diretor é o prestigiado Antoine Fuqua (do oscarizado “Dia de treinamento”), quem assina o roteiro é Nic Pizzolatto (da série “True Detective”) e entre o hepteto há estrelas do gabarito de Denzel Washington, Chris Pratt e Ethan Hawke — Wagner Moura estava dentro mas teve de sair por causa da segunda temporada de “Narcos”. A expectativa é de que a produção de US$ 90 milhões renda pelo menos o dobro no mundo inteiro — o que não falta é fã de bangue-bangue por aí, vide os US$ 3 milhões já arrecadados com a estreia antecipada na Coreia do Sul.

O remake é mais um sinal de que o gênero western, como é de praxe com bandidos e mocinhos célebres, está de volta. Nos últimos anos, o diretor Quentin Tarantino trouxe a dobradinha “Django” e “Os oito odiados” (referência, claro, aos “sete homens” do clássico). O vencedor do Oscar de melhor filme em 2016 foi para “O regresso”, retomada do subgênero do (homem da montanha).

Há outras variações da fórmula: em outubro, estreia na HBO “Westworld”, série de ficção científica que se passa dentro de um parque temático de Velho Oeste. Ano que vem, estreia nas telonas o primeiro capítulo da saga “A torre negra”, baseada em livros de Stephen King nos quais caubóis e suas pistolas se misturam a todo tipo de elemento fantástico. Na verdade, os genes do faroeste são tão disseminados pelo DNA da cultura pop que você periga até ser fã sem saber, como explica o crítico de cinema Alexandre Sivolella, curador do recente festival “Western spaghetti”, que esteve em cartaz pela rede CCBB:

— Séries de TV como “Breaking bad”, sobre criminosos, e até “The walking dead”, sobre um apocalipse zumbi, beberam na fonte dos faroestes, se inspirando ou copiando cenas e referências. Cada obra ou movimento que surge se soma a uma longa história de criatividade e invenção. Não acho que o faroeste precise renascer. Ele nunca morreu.

Para o “Dicionário Aurélio”, bangue-bangue é um “filme que retrata cenas da conquista do Oeste norte-americano, em geral com muitos tiroteios, lutas etc.” Para quem cresceu entre 1930 e 1970, era a definição de diversão. Começava nas matinês dos cinema e dominava todas as horas livres, com revistas em quadrinhos, álbuns de figurinhas, programas de rádio. Brinquedos inspirados nos ídolos eram sonho de consumo dos garotos. O escritor Ruy Castro, nascido em 1948, era um desses jovens fãs:

— Toda criança dos anos 50, brasileira, inglesa, afegã, de onde fosse, brincava de caubói e se vestia a caráter. Não sosseguei enquanto não ganhei um cinturão igual ao do Allan “Rocky” Lane, com dois revólveres e vários rolos de espoleta. Colecionava também todos os gibis: “Reis do faroeste”, “Aí, mocinho!”, “Super-X”. Aliás, comprei há algum tempo uma coleção completa da “Super-X”, com 150 números. No cinema, alguns garotos torciam por Roy Rogers, ou Rex Allen, ou pelo Durango Kid, os heróis da Republic Pictures. Eu torcia por todos.

Quem vê ou lê Nélida Piñon, imortal da Academia Brasileira de Letras, talvez não suspeite, mas a carioca de 79 anos adora faroeste. O nome “Nélida” é um anagrama de “Daniel”, seu avô, que lhe apresentou o Velho Oeste via Velho Continente, nos livros do alemão Karl May.

Nélida Piñon leu Karl May quando era criança e nunca esqueceu de uma cena em que o índio Winnetou observa o chão e declara que, pelos rastros, é possível concluir que o cavaleiro que eles perseguem não tem um braço.

— É possível? Não sei. Mas ali aprendi que a inverossimilhança é compatível com a realidade. Nos filmes, aprendo muito para trasladar, de alguma forma, no meu texto — diz a autora de “A casa da paixão”, fã de John Wayne e John Ford que coleciona DVDs de faroestes e é capaz de citar cenas fala a fala. — Tem diálogos que marcam. Também, vi tantas vezes!

Não foi um escritor nem um cineasta que criou o mais importante grupo de fãs de faroeste do Brasil. Foi um médico paulistano, Aulo Barretti, que em 1977 começou a reunir amigos em casa para projetar rolos de antigos westerns — para desespero de sua falecida esposa, que tinha de aguentar marmanjos batendo pé no chão feito crianças a cada cavalgada do mocinho. A reunião cresceu e ganhou sede oficial no Cineclube Bandeirantes, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Durante os anos 1980, as sessões chegavam a reunir de 50 a 60 fãs saudosistas nas manhãs de domingo — quem não chegasse a tempo tinha de sentar no chão.

Em 1997, o Bandeirantes não pôde mais abrigar as reuniões e houve uma cisão. Metade dos cinéfilos formou o grupo Forte Santa Cruz (o nome era piada com a nova sede, que tem um alto portão de madeira, parecendo um forte apache). A outra metade criou o Forte Alamo (outra referência ao Velho Oeste, símbolo da resistência texana contra os mexicanos). Um membro que circula entre os dois grupos afirma que as sessões do Alamo têm mais público que a do Santa Cruz — “10 a 12 pessoas contra 5 a 6”, afirma o agente duplo. Sem contar que o Alamo ainda tem a presença do doutor Aulo. Aos 94 anos, completamente cego, ele acompanha os filmes ao lado de alguém que vai lhe cantando as cenas.

Outro frequentador das sessões do Forte Alamo é Darci Fonseca, 72 anos. Aposentado, trabalhou em vários jornais paulistas como linotipista (montador de páginas em tempos pré-computador) e hoje é o orgulhoso dono do blog Western Cinemania (“Já tivemos um milhão de acessos”, diz Darci), onde se dedica a resenhar clássicos do gênero e publicar entrevistas com pesquisadores. Gosta de descobrir coisas novas — ou novas para ele, como o “western spaghetti”, faroestes produzidos na Itália que são terminantemente proibidos no cineclube.

Darci também comparece a eventos de fãs. Para brilhar nos encontros, é preciso investir uma pequena fortuna em trajes de faroeste — o que faz lembrar aquele ditado: “A diferença entre homens e meninos é o preço dos seus brinquedos.” Segundo o blogueiro, para se trajar como “caubóis sem rebuscamentos”, você precisa de um chapéu (R$ 150), um lenço (R$ 10), uma camisa típica sob encomenda (R$ 100), um cinto com fivela típica (R$ 50 reais), um par de botas (R$ 150 no mínimo). Um cinturão de couro com um coldre pode ser comprado por R$ 200. Qualquer calça jeans simples completa o traje. Um colete sempre ajuda. O grande problema é o revólver, conta Darci:

— Qualquer revólver de brinquedo que aparece no Mercado Livre é vendido praticamente no mesmo dia e por preço exorbitante. No Paraguai, pode-se encontrar réplica de Colts. A que comprei há um ano custou mil reais e sei que não vale isso porque nos EUA réplicas como essa são vendidas a cem dólares e as cromadas um pouco mais caras. O problema é trazê-las. Alguns caubóis da confraria conseguiram, mesmo tendo de superar dificuldades com a Polícia Federal.

Os aficionados também torram suas reservas monetárias em DVDs de clássicos do gênero ou raridades obscuras. Muitas vezes são cópias caseiras dos originais, disponíveis em lojas on-line que nem sempre deixam isso claro.

Coleções de quadrinhos novos e antigos também têm alta procura, principalmente exemplares raros ou séries completas (“Durango Kid só existe no gibi”, já cantava Raul Seixas). Quem for à banca de jornal mais próxima também pode ter seu western em HQ: pode achar alguma reedição do tenente “Blueberry”, criado por franceses, e com certeza vai se deparar com algum título da linha “Tex”, criado na Itália em 1948 e publicado no Brasil desde aquela época.

Na locadora Cavideo, do Humaitá, uma das últimas do Rio de Janeiro com grande acervo, o público dos westerns apresenta um perfil especial.

— Tem sempre clientes mais velhos que viram esses filmes quando eram jovens e querem mostrar para os filhos, os netos. Eles vêm principalmente na sexta-feira e no sábado de manhã, para organizar sessões no fim de semana — conta Sandra Maya, gerente da Cavideo há 14 anos e ela mesma filha de um fã do gênero. — Sempre gostei dos antigos, pois via com meu pai. Adorava os do John Wayne.

Mas não é preciso laços sanguíneos para entrar no universo do Velho Oeste. Henrique Granado, 37 anos, louco por “Star wars” (ele é do Conselho Jedi Rio de Janeiro), virou fã de faroeste graças a... “Star wars”.

— O primeiro filme, de 1977, tem todos os elementos de faroeste. O fazendeiro ingênuo (), auxiliado por um velho padre (), sai numa jornada para salvar uma donzela em perigo () das garras de um vilão autoritário e temido por todos (). Em sua jornada, visita um saloon (), onde conhece um caubói fora-da-lei () e seu fiel ajudante () e, montados em sua diligência precária (), invadem um grande forte (). Não dá para visualizar todo esse roteiro nas planícies americanas do século passado?

: tão longe, tão perto.


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