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Gilberto Braga lançou moda nas ruas, com sandália e meia de lurex e até coleira

Por Folha de São Paulo

27/10/2021 21h07 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando a moda era mato, o país já tinha Gilberto Braga. Não havia nem passarela brasileira, mas "Pátria Minha", de 1994, se esforçou para reproduzir uma com o ajambrado minimalismo de Calvin Klein muito em voga naquela época.

Antes dela, o autor, morto aos 75 anos nesta terça (26), conduziu o rebranding do Rio de Janeiro em "Água Viva", de 1980, fundando com Manoel Carlos a estética Leblon chique enquanto alfinetava conservadores com cenas de topless. E, quando nem se falava em merchandising, meteu sandálias de plástico e lurex nos pés de Sônia Braga, transformando "Dancin’ Days", de 1978 —e, soubemos depois, a Melissa—, em fenômeno.

Dos lugares-comuns que permeiam a história da moda no Brasil, boa parte do crédito da ideia de que as novelas moldaram o estilo nacional no século 20 é compartilhado por ele e duas figurinistas definitivas em sua trajetória —Marília Carneiro (de "Brilhante", "Celebridade" e "Dancin’") e Helena Gastal (de "Vale Tudo", "Paraíso Tropical" e "Água Viva").

Tão importantes quanto a narrativa e o modo como seus personagens reproduziram os estereótipos das elites e do proletariado, as roupas serviam como espécie de extensão das histórias. Se o trabalho de caracterização parece mais vistoso quando se reconstrói o passado em novelas de época, o autor mudou o estratagema quando o guarda-roupa passou a virar notícia e modismo.

"Mesmo que, de vez em quando, brigássemos, adorávamos um ao outro. Lembro de Gilberto dizer que pensava ter feito uma novela sobre duas irmãs ['Dancin’ Days'], mas havia acabado fazendo uma sobre um par de meias", lembra Carneiro, sobre a história que mudou sua carreira e impôs o colorido das discotecas como a última moda no Brasil do final da década de 1970.

A história de Julia, papel de Sônia Braga, e Iolanda, vivida por Joana Fomm, impactou o país de tal forma que detonou nas ruas a transição dos anos 1970 para os 1980. Os cabelos volumosos da personagem principal, Carneiro diz, foram uma pedra no sapato e uma "decepção" para Gilberto Braga, "que queria uma Rita Hayworth", mas concordou e, sem saber, inaugurou, 
o novo estilo da década.

A inspiração nos jeans Fiorucci, sucesso no exterior e trazidos ao Brasil pela empresária Gloria Kalil, impulsionou a cara da juventude oitentista do lado de cá.

Avesso às amarras do pudor e crítico da imagem engessada, independentemente da época de suas novelas, apostava na dualidade de estilo das vilãs e mocinhas.

Uma de suas vilãs, Odete Roitman, reproduziu a nobreza pútrida em colares de pérolas, ombreiras voluptuosas e um senso de elegância em tecido de tweed que se tornaria estereótipo.

Que ele mesmo quebrou, lembremos, quando pôs a vilã Laura, a "cachorra" de "Celebridade", trajada com lencinhos no pescoço e um guarda-roupa minimal em tons off-white. Cobrir os lobos com peles de cordeiro era uma de suas especialidades.

A coleirinha usada por Cláudia Abreu, Carneiro explica, auxiliava o texto desinibido e o pendor sadomasoquista da relação com Marcos, vivido por Márcio Garcia. Era um elemento da interação sexual entre os personagens, que rapidamente ganhou corpo nas cenas e, também, o gosto das ruas.

Saíram daí também as minissaias de Darlene, vivida por Deborah Secco, cujo guarda-roupa fundou a periguete dos anos 2000 e pôs a Miss Sixty e os conjuntos sensuais de cintura baixa em voga. Não haveria Tom Ford com sua Gucci hipersexualizada que fosse páreo para um personagem braguiano.

O look seria atualizado poucos anos depois em "Paraíso Tropical", de 2007, na qual Bebel, construída por Camila Pitanga, jogou os metalizados, as botas de cano alto e o visual hoje do funk carioca no gosto das festeiras.

A bandana de Vera Fischer em "Brilhante", de 1981, os cortes "long bob" que volta e meia adornam a dramaturgia —aquele ondulado Gisele, só que na altura do pescoço—, o look angelical rebelde de "Anos Dourados", de 1986, e o tipo vilã da alta-costura de Glória Pires em "Babilônia", em 2015, são outras linhas da contribuição do autor no vaivém de estilos do país.

Tudo isso está aí como prova que, antes dele, era mesmo tudo meio mato e, depois dele, surgiu uma passarela inteira de criações copiadas e revistas até os dias de hoje.


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