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Amanda Gorman vê escritora desistir de tradução depois de ataque por ser branca

Por Folha de São Paulo

01/03/2021 20h34 — em
Arte e Cultura



BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - Parecia um diálogo interessante entre duas jovens revelações. A escritora e poeta holandesa não binária Marieke Lucas Rijneveld, que aos 29 anos se tornou a mais jovem pessoa a receber o importante prêmio Booker Internacional, traduziria para sua língua natal poemas da americana Amanda Gorman -que, aos 22, ganhou projeção ao declamar "The Hill We Climb" (a colina que subimos) na posse do presidente americano, Joe Biden.

A escolha agradou a Gorman, segundo a editora holandesa Meulenhoff. A única exigência feita pela poeta americana era que o tradutor tivesse um relacionamento pessoal com sua poesia, em estilo e tom. Mas o projeto acabou na sexta (26), quando a holandesa desistiu da empreitada, após uma onda de críticas por ser uma branca traduzindo a obra de uma negra.

"Estou chocada com o tumulto em torno do meu envolvimento na divulgação da mensagem de Amanda Gorman, mas entendo que as pessoas se consideram magoadas", escreveu em rede social.

"Vi como a maior tarefa manter sua força, seu tom e seu estilo vivos. No entanto, estou bem ciente de que estou em posição de pensar e sentir isso onde muitos não estão. Ainda desejo que suas ideias alcancem o maior número de leitores possível e abram mais corações", escreveu Rijneveld.

A campanha que levou à desistência foi desencadeada pela jornalista holandesa e ativista negra Janice Deul, que publicou um artigo atacando a Meulenhoff. Segundo Deul, era "uma oportunidade perdida" a escolha de Rijneveld, "branca, não binária e sem experiência em palavra falada", em vez da de uma tradutora "jovem, feminina e assumidamente negra".

Ironicamente, antes de desistir do projeto, Rijneveld havia justamente elogiado Gorman por oferecer pontes em um cenário de grande divisão social. "Em um momento de polarização crescente, Amanda Gorman mostra em sua voz jovem o poder da palavra falada, o poder da reconciliação, o poder de quem olha para o futuro em vez de olhar para baixo".

Durante a escalada de críticas, a editora defendeu sua escolha apontando uma "relação pessoal" da escritora holandesa com a obra de Gorman: ambas tiveram seu talento reconhecido ainda jovens e "não têm medo de falar".

As afirmações de que Rijneveld "era branca demais para entender a poesia de Gorman" levaram a Meulenhoff a anunciar a supervisão de "leitores sensíveis" -uma equipe que revisa trabalhos para "proteger autores de deslizes relativos a minorias".

Nas redes sociais, a renúncia de Rijneveld gerou reações antagônicas. Em vários comentários, internautas questionaram o veto à escritora por causa da cor de sua pele ou de sua orientação sexual.

Já o tradutor (branco) do Parlamento da Holanda, Bert De Kerpel, defendeu que o principal motivo para rever a escolha deveria ser o fato de que ela não é tradutora.

Em artigo, ele refuta por exemplo a crítica de que os poemas de Amanda Gorman só podem ser traduzidos por negros porque brancos seriam incapazes de ter empatia suficiente.

"Em sua poesia, Gorman se refere ao passado de escravidão que oprimia seus ancestrais. Os tradutores negros de língua holandesa podem se reconhecer em temas como racismo e discriminação, mas será que isso se aplica à questão da escravidão?", argumenta.

Para ele, a melhor pessoa para assumir o projeto seria "um tradutor literário inglês-holandês, se possível com especialização em poesia e na palavra falada". Kerpel também criticou o recurso da editora de destacar "leitores sensíveis" para fiscalizar a tradução de Rijneveld.

Independentemente de sua cor, "os tradutores que levam sua profissão a sério sempre procuram transmitir o significado do texto da forma mais fiel e suave possível e percebem que algumas palavras no idioma de destino podem ter um significado diferente do idioma de origem, devido a desenvolvimentos culturais e sociais", afirma.

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