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Plano de das forças de segurança é asfixiar tráfico na Rocinha até o fim

Por Agência O Globo

22/09/2017 21h09 — em
Rio de Janeiro



RIO - Tinha tudo para ser um dia tipicamente carioca, daqueles de dar inveja a cidades do mundo inteiro, com céu azul, primavera começando e Rock in Rio. Mas a sexta-feira foi de tiroteios, de gente se jogando ao chão na passarela projetada por Oscar Niemeyer que dá acesso à Rocinha, de pais e filhos correndo desesperadamente pela Estrada da Gávea, surpreendidos por confrontos. Traficantes entocados na mata que liga a favela à comunidade vizinha do Vidigal provocavam, entre moradores da região, o medo de a situação ficar ainda mais fora de controle com as ações da polícia e a asfixia do Exército, que finalmente ocupou as ruas, apelando para uma estratégia da pressão máxima, com 950 homens e até tanques. A guerra na Rocinha se derramou pelas ruas da Zona Sul e paralisou toda a cidade, já que tomou a rota de milhares de pessoas. O espaço aéreo sobre a maior favela do Rio chegou a ser fechado.

Os tiros intermitentes, desde as primeiras horas da manhã, fizeram o comércio fechar as portas. Até a Autoestrada Lagoa-Barra foi interditada, por quatro horas, por medida de segurança. Os engarrafamentos ganharam os contornos dramáticos do medo: de cima, as imagens mostravam o nó no trânsito, mas, nas pistas, motoristas, apavorados, tentavam fugir na contramão. Mesmo sem saber direito o que acontecia à frente, eles intuíam os riscos porque, afinal de contas, a cidade, naquela região, está tensa desde que uma invasão de cerca de cem bandidos deflagrou, na madrugada de domingo, uma disputa pelo controle do tráfico na Rocinha. Ontem era o sexto dia de inferno. Três pessoas já morreram e três ficaram feridas. Boa parte da população da Rocinha deixou de dormir. Muitos moradores sequer puderam voltar para suas casas na noite de ontem.

O Exército entrou em cena 24 horas depois de o governador Luiz Fernando Pezão afirmar que sua presença na Rocinha não era necessária. Quando militares começaram a desembarcar nos acessos ao morro, ocupando primeiramente a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, fotos e vídeos de traficantes que atiravam com fuzis ou arremessavam granadas de cima de lajes da favela se multiplicaram nas redes sociais. Uma bomba foi jogada contra PMs, mas não cheou a explodir. Às 8h, um grupo de pelo menos sete adolescentes ateou fogo a um ônibus. A explicação era que, horas antes de o estado voltar atrás e decidir pedir ajuda ao Exército, Rogério 157 adotou a tática de desviar a atenção das forças de segurança, ordenando ataques no asfalto. Encurralado, ele queria fazer com que parte do efetivo policial deixasse a Rocinha. Os jovens atacaram o veículo na Avenida Prefeito Mendes de Morais, na orla de São Conrado. Eles teriam deixado o motorista e os passageiros desembarcarem. Uma patrulha da PM chegou rapidamente ao local, a tempo de ver as chamas começarem a tomar o coletivo, mas ninguém foi preso. Outros ônibus, inclusive o de uma linha especial criada para o Rock in Rio, tiveram que alterar seus itinerários.

Os militares foram para a Rocinha preparados para passar a noite no morro. Cerca de 15 homens do Destacamento de Reconhecimento Avançado e de Comunicação do Exército foram os primeiros a descerem de rapel, por volta das 15h30m, na parte alta da comunidade, próxima à mata. Eles estavam num helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB), que não chegou a pousar. Também estão na Rocinha militares da Polícia do Exército e da Polícia da Aeronáutica.

No fim da tarde, os tiros deram uma trégua. O clima foi bem mais tenso pela manhã, quando moradores relataram ter adiado a saída para o trabalho ou desistido de ir à escola. Muitos contaram que se esconderam debaixo de camas, único lugar que consideravam seguro para se proteger da chuva de balas.

— Vou ficar em casa até amanhã de manhã, mas tenho que trabalhar. Sempre deixo meus chefes de sobreaviso. O que posso fazer? Temos que conviver com a violência — disse um morador da Rocinha.

Com o apoio das tropas federais, a polícia também informava, no decorrer do dia, ter identificado 27 homens do bando de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, desafeto de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, que, de dentro do Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia, estaria tentando reassumir o controle do tráfico na favela. Enquanto o Rio pegava fogo, Nem teria tido um dia monótono na prisão. Ele, que, de acordo com investigações, recebeu 171 visitas em pouco mais de um ano, não se encontrou com ninguém ontem, segundo um de seus 27 advogados, que pediu para não ser identificado. O cliente, diz ele, tem direito a duas horas de banho de sol por dia, e, no restante do tempo, joga xadrez. Para reduzir a pena, passou a ler bastante: entre as obras, estaria “Crime e castigo” de Dostoiévski. Durante a semana, Nem tem direito a três horas de visita social. Mesmo com a suspeita de ter dado ordem para invadir a Rocinha, ele é autorizado a ter contato físico com parentes.

No início do dia, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, comparou o Rio a um corpo doente.

— Você tem um doente na UTI. Ele tem fraturas, hemorragia interna e também uma cirrose — comparou Jungmann, que, no fim da tarde, já comemorava os primeiros resultados da ação do Exército, afirmando para o “RJ TV”, da Rede Globo, que a Rocinha estava pacificada. — Aquele tiroteio que foi observado na parte da manhã já não acontece. As tropas especiais da polícia, com o apoio de equipes especiais das Forças Armadas, estão tentando localizar criminosos na mata ou em algum esconderijo na própria Rocinha.

Enquanto se desenrola uma possível rendição dos traficantes, o delegado Antônio Ricardo Lima, da 11ª DP (Rocinha), disse que o próximo passo será um mandado coletivo de busca e apreensão para pontos específicos da Rocinha. Os policiais planejavam enviar o pedido ainda ontem à noite para o Plantão Judiciário. Se for expedido pela Justiça, será possível apertar o cerco, com um pente-fino em casas da comunidade.

— Fizemos um levantamento dos pontos mais críticos, com maior incidência de confrontos, e também de locais onde estariam escondidas armas. Queremos acessar esses endereços com autorização da Justiça — observou, adiantando um recurso — o de mandado coletivo de busca e apreensão — que costuma render polêmica.

Como Rogério 157 parece continuar escondido na parte alta da favela, a promessa das autoridades é de que a operação na Rocinha seja mantida por tempo indeterminado.


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