Compartilhe este texto

Fiscal da natureza, uma atividade em alta nas ruas do Rio

Por Agência O Globo

23/09/2017 21h09 — em
Rio de Janeiro



Eles são uma espécie de irmandade que cresce à sombra das árvores encontradas pelas ruas do Rio. E o objetivo comum é tornar a cidade mais verde e florida. A primavera é a estação preferida de uma turma de porteiros e moradores que dedica, semanalmente, horas do seu tempo para plantar e regar nas calçadas. Em troca, recebem os frutos da natureza e também elogios da população. Em Ipanema, por exemplo, o resultado do esforço do grupo salta aos olhos. A Rua Alberto de Campos é um dos locais do bairro que virou um jardim de orquídeas.

— Moradores aqui do prédio ganham ou compram orquídeas e, quando as flores caem, me dão as plantas. Transformei o canteiro da rua no meu pequeno jardim — conta o porteiro José Hélio Santos, que há três anos amarra as orquídeas numa árvore, agora enfeitada com flores brancas, amarelas e violetas.

Na Rua Barão da Torre, as calçadas também começaram a ganhar cores vivas. Assim como José Hélio, o porteiro Lucas Teteo é paraibano e fez do trecho em frente ao edifício em que trabalha o seu jardim. Pelo segundo ano consecutivo, as orquídeas de Teteo florescem na primavera.

— Sou de Jacaraú, no interior da Paraíba. Fui criado na roça. Lá, lidava com a terra — diz o porteiro, mostrando sua experiência. — Já até me chamaram para trabalhar como jardineiro por causa das orquídeas que plantei aqui — conta, com orgulho.

Na Praça Raul Guedes, no bairro da Urca, a natureza também tem uma boa rede de aliados. Nascido também na Paraíba, João Batista é porteiro no local e se destaca por estar sempre jogando água nas plantinhas e numa árvore de 15 metros que ele mesmo plantou, há 20 anos. Um morador chegou, na época, com uma muda da Bahia, e João a fixou num pequeno espaço de terra na calçada. Hoje, o falso-pau-brasil é visitado por beija-flores.

—Ela é a minha filha — derrete-se o cuidadoso porteiro, que “decora” a árvore com flores amarradas. — Tem orquídeas que pego no lixo. Algumas estão dando flores aqui pelo segundo ano.

O peruano Carlos Manoel Augusto se divide entre dois trabalhos: as aulas de matemática pura na Uerj e os cuidados com o jardim e a calçada do seu prédio, na Praça Raul Guedes. Esta última tarefa, ele faz de forma voluntária e por absoluto amor ao verde. Em frente ao edifício onde mora, do qual é síndico, ele mantém bem adubados e regados um pé de limão, outro de amora (que está cheio de frutinhas, não raro roubadas por pedestres) e um de carambola. As plantinhas já estavam por ali quando o professor chegou ao endereço, há 24 anos. Carlos já plantou na rua uma acácia amarela e agora espera crescer mais uma muda, que ele próprio semeou.

— Plantei um ipê na calçada. Não sei ainda se amarelo ou roxo — conta ele, que compra terra adubada em Guaratiba e tem planos de colocar na rua um flamboayant-mirim e uma espirradeira. — Muitos passam aqui e acham lindo, mas não sabem o trabalho que dá. Infelizmente, a maioria na cidade não está nem aí para os jardins.

Batizado com o nome do Rei do Baião, o paraibano Luiz Gonzaga reserva, todos os dias, um tempinho para regar a árvore e as plantas do canteiro que fica em frente ao prédio onde trabalha como porteiro, na Rua Alberto de Campos. No emprego anterior, na Barra, fazia o mesmo. O hábito já tem 18 anos.

— Os moradores dão as orquídeas sem flor, que iam para o lixo, e eu as coloco na árvore. Tento amarrá-las bem no alto, porque tem gente que quer roubar as plantas— explica Luiz Gonzaga, dizendo que a rua florida nessa estação é obra exclusiva do esforço de quem trabalha e vive ali. — Nunca vi ninguém da prefeitura cuidando dos jardins.

A paisagista Isabela Ono, do Escritório Burle Marx, elogia o trabalho voluntário dessa legião:

— É interessante esse movimento de se apropriar da cidade. Se pararmos para pensar, os cariocas quase não têm mais jardins em casa, por morarem mais em apartamentos — comenta Isabela, acrescentando que há lugares no meio da cidade onde as pessoas ainda conseguem colher uma manga no pé. — Mas, para os que querem plantar uma árvore, tem que ver se o lugar é adequado para receber aquela espécie. Há árvores frondosas que arrebentam a calçada. Por isso, a prefeitura deveria trabalhar conjuntamente com a população para que os canteiros sejam feitos da melhor forma.

A Fundação Parques e Jardins, da prefeitura, disse, por nota, que o plantio de árvores em área pública é de responsabilidade do governo. Os moradores que desejarem uma muda na sua calçada, afirma o órgão, devem solicitar primeiro ao 1746.

“Infelizmente, a população tem plantado árvores inadequadas em diversos locais”, diz a fundação, explicando que, às vezes, o porte ou o comportamento das raízes não são indicados. Mas o órgão ressalta que o morador pode regar as mudas e canteiros para que as árvores cresçam bonitas e viçosas.


Siga-nos no
O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

ASSUNTOS: Rio de Janeiro

+ Rio de Janeiro