Em clima de guerra, quem mora no entorno da Rocinha também evita sair às ruas
RIO - Os tiros da guerra na Rocinha puderam ser ouvidos por moradores de condomínios do Alto Leblon durante toda a manhã desta sexta-feira. E espalharam o pânico. Quem se arriscou a sair de casa viu policiais militares fazendo rondas e revistando veículos. Na Rua Timóteo da Costa, no Alto Leblon, PMs, com armas em punho, pararam carros e motos. Segundo os policiais, a operação foi necessária, porque a via poderia ser usada como uma das possíveis rotas de fuga de bandidos, a partir de uma mata ligada ao Morro do Vidigal. Por volta das 10h, PMs entraram num condomínio da rua para vistoriar um trecho de de floresta que fica nos fundos de parte dos edifícios.
- Soube que crianças que estavam brincando no playground na hora ficaram assustadas quando viram os policiais nas dependências do condomínio. Imagino o clima - disse uma moradora, que não quis se identificar.
De acordo com um funcionário do prédio, que também pediu anonimato, nada suspeito foi encontrado pelos policiais.
- A polícia pediu para entrar e vasculhar porque atrás do condomínio tem uma rua que dá acesso ao Morro do Vidigal. Com esta guerra na Rocinha, eles ouviram falar que bandidos iam escapar por ali - contou.
Veículos do 23º BPM ficaram estacionados em pontos-chaves do bairro, mas nem a presença maior da PM ajudou a amenizar o clima de medo.
As poucas pessoas vistas caminhando pela Timóteo da Costa na tarde desta sexta-feira contaram que escutaram de casa os tiros disparados na Rocinha.
- Dá muito medo, porque escutamos tiroteio por muito tempo de manhã - disse Rosana Nader, de 42 anos, que está grávida de cinco meses e só deixou seu apartamento porque tinha uma consulta marcada com o obstetra.
Um outro morador, que não quis dizer seu nome, conta que foi correr nas ruas do bairro pela manhã e não viu os grupos de corredores de sempre:
- Parece que todo mundo estava trancado em casa. Minha mulher disse que eu fui maluco de sair para correr - disse.
Na Gávea, o trânsito ficou livre na Rua Marquês de São Vicente em boa parte do dia. Às 13h, poucos carros circulavam. Quem foi ao Instituto Moreira Salles encontrou o centro cultural fechado. O comércio não chegou a suspender o funcionamento: havia lojas e restaurantes de portas abertas, mas o movimento na rua, muito perto da Rocinha, era pequeno.
- Nunca vi esta rua assim num dia de semana. Parece um deserto - comentou o porteiro de um prédio, que, por ser morador de uma comunidade e ter parentes na Rocinha, pediu para não ter seu nome publicado.
Em frente à Escola Parque, que não teve aulas ontem, poucos funcionários aguardavam o transporte num ponto de ônibus ontem à tarde.
- Não veio nenhum professor. A escola não teve aulas e tivemos que jogar comida fora, porque ninguém apareceu. Uma pena. A gente não esperava que fosse acontecer isso - lamentou uma empregada da escola.
A estudante Maria Clara Lima, de 18 anos, moradora da Gávea, não estranhou a falta de gente na rua:
- Se aqui está assim, fico imaginando no morro. Tenho uma amiga que mora na Rocinha e contou que as pessoas não querem sair de casa. Estão apavoradas. Foi muito tiro à noite. Onde vamos parar? Lamentável.
A violência levou diversos espetáculos da cidade a cancelarem apresentações ontem. Entre as peças que tiveram as sessões suspensas estão "Estudo para Missa para Clarice", no Teatro Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea; "Diário de Bitita", no Teatro Dulcina; "Um pai [Puzzle]", no Teatro Maison de France, no Centro; "Nada", na Laura Alvim; e "2x Sampaio", que faria sua estreia no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana.
O diretor Domingos de Oliveira fez um desabafo nas redes sociais. Em seu perfil no Facebook, ele escreveu: "Para a segurança de todos, a estreia do espetáculo "2x Sampaio", no Teatro Glaucio Gill, fica adiada para amanhã (sábado), às 20h. A situação do Rio é incerta e instável. O que está acontecendo é tão lamentável, quanto previsível. É como termina "A alma boa de Setsuan", de Brecht: "Não há solução, mas tem de haver!". A única reação possível é fazer um espetáculo excelente!". O show da banda Picassos Falsos, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, também foi adiado.
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