Análise: ‘É triste ficar acuado na própria cidade’
Maria não vai. Chico também não. Olivia está a caminho. Não mandei o Miguel. Julia já saiu de van. Nos grupos de mensagens de pais, só se falava numa coisa: levar ou não os filhos à escola, em uma sexta-feira que amanheceu em clima de Rock in Rio e, rapidamente, mudou de trilha sonora. A cidade passou a ouvir os fortes tiroteios na Rocinha e os relatos de estampidos em outras comunidades.
Algumas escolas do Rio estão bem no olho das áreas conflagradas — e a suspensão das aulas já é uma triste rotina. Outras não estão no meio da violência, nem o trajeto até lá fica na linha de tiro. Mas, ontem, e em qualquer dia de tiroteio, não importou a geografia: se você é pai ou mãe, carrega um aperto no coração.
É triste ficar acuado na própria cidade. Muita gente paralisou, estudantes foram embora de suas universidades, profissionais liberais cancelaram compromissos, trabalhadores foram impedidos de deixar suas casas nas áreas de tiroteios. E o pior é que é uma situação corriqueira para quem mora em regiões de conflito. Não queremos sucumbir ao pânico. Não podemos. Mas, num dia como ontem, afloram todas as neuroses que temos sentido com a escalada de violência.
Medo de entrar no carro estacionado na rua. De sair do banco. De circular tarde da noite. De assalto na porta da escola. E, agora, o medo maior: o de que seu filho tome um tiro a caminho da escola.
Queria ter mandado minha filha à aula. Provavelmente nada teria acontecido, e sei que ela não passa por nem um décimo do que crianças expostas diariamente à violência, mas não consegui. E ela perguntou por quê. Com quase nove anos de idade, não tem mais Ilha da Fantasia. Filha, tem bandido na rua. E, assim, ela começa sua coleção de pequenos medos.
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