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Padeiro ferido no Salgueiro diz que disparos vieram de dentro da mata

Por Agência O Globo

16/11/2017 21h11 — em
Rio de Janeiro



RIO - A operação da Polícia Civil e do Exército que deixou sete mortos no Complexo do Salgueiro teve a participação de homens encapuzados na mata, que atiraram contra as vítimas. O relato é de um padeiro, de 19 anos, baleado nas duas mãos quando conduzia sua moto pela Estrada das Palmeiras no momento do ataque. Internado numa unidade de saúde na Região Metropolitana do Rio desde o último sábado, o jovem contou, em entrevista exclusiva, que os tiros que o atingiram não saíram dos blindados usados na operação, mas de dentro de um matagal ao lado da pista — onde estavam escondidos homens vestidos de preto, com capacetes e fuzis com mira a laser.

— Saí da casa da minha namorada por volta de 0h30m de moto. Vi um amigo num ponto de ônibus e dei carona para ele. Pegamos a Estrada das Palmeiras. Num momento, ouvi fogos, mas como não vi nenhum caveirão, segui. Pouco depois, passou um carro, muito rápido, do meu lado. Logo depois, fui atingido na mão. Os tiros vieram de dentro do mato. Só depois de caído, vi que vários homens de preto, com os rostos cobertos e capacetes saíram do matagal. Todos estavam com fuzis. Das armas, saíam aquelas marcas de mira a laser. Antes de ser atingido, vi algumas pelo meu corpo — contou o jovem, que aguarda cirurgia nas mãos, mas passa bem.

O depoimento da testemunha pode mudar o rumo das investigações da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG), que apura o caso e já começou a ouvir os feridos na operação. O amigo do padeiro, que estava na garupa da moto, foi atingido na boca e está internado em coma induzido em outra unidade de saúde. Ao todo, quatro baleados naquela madrugada escaparam. Só um deles recebeu alta.

O relato do padeiro contradiz as versões dadas pelas Forças Armadas e pela Polícia Civil sobre a operação. Agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) afirmaram, em depoimento, que entraram na favela em três blindados — um da Core e dois do Exército — e não dispararam. Já o Exército alegou, em nota, que 17 homens participaram da operação e nenhum atirou. Nenhum dos órgãos citou a participação de homens na mata.

O padeiro também contou que os homens que saíram do matagal ainda tiraram uma foto dele e pegaram seu celular. Ele afirma ainda ter visto os blindados passarem, mas nenhum agente o socorreu. O jovem só foi levado a um hospital três horas depois, quando foi encontrado por sua irmã e por seu patrão. O Boletim de Atendimento Médico da unidade revela que os dois amigos deram entrada na unidade de saúde às 4h.

— Eu e meu amigo ficamos quase três horas perdendo sangue. Ele podia ter morrido ali, agora está em estado grave — contou o jovem.

Os agentes da Core que participaram da operação já foram ouvidos na DH. O Comando Militar do Leste (CML) informou que os miliares não vão prestar depoimento na delegacia especializada. Segundo o órgão, eles estão à disposição da Justiça Militar, no âmbito federal. O Ministério Público Militar da União abriu, na última terça-feira, um procedimento preliminar para apurar a operação. A promotoria pediu informações ao CML e poderá abrir uma investigação para apurar possíveis crimes cometidos pelos militares.

O Exército, no entanto, sequer abriu inquérito para investigar o caso. “Não há indícios de crime militar que motive instauração de um Inquérito Policial Militar, já que não houve disparo de arma de fogo partindo dos militares envolvidos na ação”, alega o CML.


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