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Governo tem aprendido e ainda busca equilíbrio contra o coronavírus, diz Carla Zambelli

Por Folha de São Paulo

31/03/2020 12h06 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), 39, afirma que o governo federal ainda está aprendendo a se mover na crise do coronavírus e busca o equilíbrio entre o que deve fechar ou funcionar.

Em entrevista à reportagem a deputada diz que Bolsonaro tem problema de comunicação, mas não de responsabilidade, e aperta a tecla SAP para explicar o que ele quis dizer ao falar em "gripezinha" e isolamento vertical.

"Se ele falar alguma coisa que gere dissonância ou ruído, esse talvez seja o único problema do presidente e o resto está funcionando", afirma.

Para Zambelli, Bolsonaro não está confrontando seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao desobedecer orientação de isolamento dada no sábado (28) saindo às ruas no domingo (29).

"Há uma distribuição de papéis", diz --o ministro se preocupa com o vírus, e Bolsonaro, com a economia.

Ela defende o fechamento de escolas e igrejas, e condena as carreatas que pedem reabertura de estabelecimentos.

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Pergunta - A sra. concorda com o isolamento recomendado por Mandetta ou acha, como Bolsonaro, que isso é só para os grupos de risco?

Carla Zambelli - A gente tem que manter o isolamento em todas as atividades que podem ser feitas à distância. Eu compartilho do sentimento do presidente em casos nos quais não se pode trabalhar em casa, como ambulantes, catadores de lixo, pessoas que têm comércio pequeno, cabeleireiros. Têm chegado a mim, e acho que acontece o mesmo com o presidente, pessoas pedindo pelo amor de Deus para voltar a trabalhar.

As pessoas querem voltar porque estão sem renda, e o governo federal pode resolver isso. Está sendo feito?

CZ - Para o grupo de risco e algumas atividades, o governo tem que isolar e acabou. Tem que ter uma regra clara. Ela tem que vir do governo federal para os governadores. Mandetta foi muito claro no sábado quando disse "a gente vai fazer programa de isolamento". Não adianta fazer isolamento total para todos os estados agora.

O governo vai oferecer R$ 600 mensais, vai entrar mais 1 milhão de pessoas no Bolsa Família, tem crédito a empresários. Alguns serviços têm que funcionar, como lotéricas [para saque de Bolsa Família], transporte, cadeia logística de hospitais [insumos], caminhoneiros, fábricas de alimentos.

Em São Paulo, onde há quarentena, a cadeia está funcionando. O que parou foi escola, restaurante...

CZ - Escola tem que parar não por causa do aluno jovem, mas porque os professores em geral são grupo de risco e os alunos podem trazer o coronavírus para casa. Acho que teatros, igrejas e shows não deveriam acontecer. Mas o que a gente recebeu de caminhoneiro desesperado porque não tinha o que comer. Teve ameaça de greve, eles falando que o governador Doria fechou tudo.

Estamos aprendendo isso ainda, e o Mandetta no sábado deixou um pouco mais claro. Acho que tem que isolar o grupo de risco e atividades não essenciais.

Mandetta fala uma coisa no sábado e Bolsonaro sai às ruas no domingo. O governo está passando a mesma mensagem?

CZ - O presidente tem um problema de comunicação. Não de atitude e nem de irresponsabilidade. Todos os países enfrentam a mudança muito rápida da doença. Trump, que tinha postura parecida com Bolsonaro, de preocupação econômica e de que a doença não é tudo isso, em três dias mudou. Aconteceu com Itália, Espanha e vai acontecer com o Brasil.

O presidente recebeu um estudo da Fiocruz afirmando que o aumento do desemprego gera mais mortes. Isso aliado a mensagens que ele recebeu de empresários.

Houve um problema de comunicação entre os ministros e o presidente, e dele para conosco. No sábado, teve reunião e o presidente se alinhou com Mandetta.

A saída de Bolsonaro foi lida como uma afronta ao ministro e uma tentativa de forçá-lo a se demitir.

CZ - Não acho. Eu conheço Mandetta e Bolsonaro desde 2015, eles têm amizade grande. Bolsonaro não fez isso para afrontar, acho que ele fez para sentir [as pessoas]. Eu tenho impressão que o presidente, como está muito mais em contato com o empresariado, o empresariado espera uma atitude mais voltada à preocupação econômica.

Há uma distribuição de papéis. Mandetta se preocupa bastante com o vírus e mostra conhecimento científico e manutenção de posturas mais ligadas à OMS. Enquanto o presidente acaba representando o papel do chefe de Estado preocupado com a economia. Não acho que Mandetta vai sair depois de tudo isso.

A sra. falou em países preocupados com a economia e que mudaram de postura. Espera que a ficha de Bolsonaro vá cair?

CZ - Espero que o presidente encontre o equilíbrio entre esse pânico que a doença gera e a atitude como chefe de Estado. Ao mesmo tempo em que ele vai na Ceilândia [DF], deu ordem para Salim Mattar [secretário nacional de desestatização] encontrar prédios da União para fazer hospitais.

O que acha sobre as carreatas pró-Bolsonaro que pedem o fim da quarentena?

CZ - Não divulguei nenhuma carreata, e me pediram para divulgar. Não é momento de fazer esse incentivo de volta ao trabalho.

O presidente fala sobre a cloroquina, mas a automedicação é um risco.

CZ - Tenho falado da cloroquina, mas sempre colocando a ressalva de que não pode se automedicar. Existe um papel sendo apresentado pelo presidente, que é o papel do "não vamos entrar em pânico". Quando ele mostrou a caixinha [na live], já precisava de receita para comprar e o remédio acabou nas farmácias antes de ele mostrar.

Acho até que essa foi uma brincadeira que talvez não precisasse ser feita. Na ânsia de tentar tranquilizar, ele comete alguns erros de comunicação, mas a intenção era mostrar que o governo está preocupado com não desabastecer o Brasil de uma possível cura. Vem o lado bem-humorado do presidente de brincar com isso, que eu acho que as pessoas não estão acostumadas. Foi mais uma brincadeira do que irresponsabilidade.

Há também crise política. O governo está em seu pior momento?

CZ - Qualquer governo, seja Bolsonaro ou outro, estaria enfrentando o pior momento. Quando se instala uma crise desconhecida e mortal como a que estamos vivendo agora, não há governo que consiga ter alta popularidade.

Temos problemas de dois governadores que são pré-candidatos, [Wilson] Witzel [do Rio] e Doria, que após terem usado o nome do presidente, logo após a posse começaram a encontrar problemas para brigar. Estamos vivendo um clima político que é impossível qualquer presidente ter popularidade alta.

O lado bom é que Bolsonaro tem tido bons diálogos com Maia e Toffoli; Alcolumbre está com coronavírus. A gente vê um Congresso querendo aprovar as medidas que o governo está mandando.

E os governadores?

CZ - Essa questão do Doria querer confiscar 500 mil máscaras na 3M acabou deixando desabastecidos vários outros estados que tinham comprado da 3M. Tem atitudes do Governo de São Paulo que exageram bastante. Foi Doria quem começou essa coisa de querer ficar afrontando o presidente. Ele reclama que o presidente faz política com a crise, mas a pessoa que mais faz política com a crise é o próprio governador.

Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Flávio Dino (PC do B) e Guilherme Boulos (PSOL) pediram a renúncia de Bolsonaro.

CZ - A esquerda está fazendo o papel dela de tumultuar. No momento em que vidas estão em jogo, quem tem um pouco de preocupação e amor pelo país vai querer estabilidade. Podem até questionar a forma como Bolsonaro se comunica, mas não existe nada de palpável que ele tenha feito de errado até hoje. O que eles querem é caos e não resolver o problema.

A sra. fez questão de traduzir o que o presidente quis dizer. Mas não é preciso boa vontade para entender algo diferente do que ele de fato disse?

CZ - Bolsonaro tem um tipo de comunicação específica. Foi eleito por isso, por falar o que as pessoas pensam. No começo do ano passado, ele ficou retraído na comunicação, não dava entrevistas, não saía às ruas, fazia postagens técnicas. Vi o povão dizendo: o sr. não está falando mais, não está batendo, só buscando diálogo. Ele foi criticado. Foi mudando, se soltando e voltando a ser o Bolsonaro que era na Câmara.

Quem o conhece e sabe quais as intenções nas palavras dele entende o discurso. O pronunciamento da gripezinha, quem não faz parte da bolha que acompanha a política não entendeu. Ele quis explicar o que disse de gripezinha antes. O que talvez fosse correto seria deixar passar e não se explicar de novo. Ele estava falando dele, não que era uma gripezinha para todos.

Falta boa vontade dos meios de comunicação em mostrar que, quando Drauzio Varella fala que para 80% da população vai ser só um resfriadinho, pega bem. O que Bolsonaro falou é o que todo mundo tinha dito, mas na forma dele.

Ele não foi moldado para ser presidente, é uma pessoa normal, honesta, que tem bons princípios, quer fazer o melhor e vai conduzir a nação com ministros técnicos. Se ele falar algo que gere dissonância ou ruído, esse talvez seja o único problema do presidente e o resto está funcionando. Prefiro ter um presidente que de vez em quando não se faz entender do que um que está roubando e não sobra dinheiro para um pacote de R$ 750 bilhões para os mais pobres.

RAIO-X

Carla Zambeli, 39

Ativista fundadora do Nas Ruas, ganhou notoriedade nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e exerce seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Pretende se filiar ao partido Aliança pelo Brasil. É gerente de projetos, formada em planejamento estratégico empresarial na Universidade Nove de Julho.

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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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