UE exige mais agilidade e clareza do Reino Unido sobre Brexit
FLORENÇA - Na dura missão de convencer tanto a União Europeia (UE) como os eurocéticos linha-dura, a premier britânica, Theresa May, adotou ontem tom otimista, porém cauteloso, para defender a adoção de dois anos de transição para o Brexit — a separação do Reino Unido do bloco — em discurso solene em Florença, na Itália. Numa aparente vitória inicial para a ala menos radical de seu governo, que rachou na delineação dos termos do divórcio, nesse período as relações entre o país e o bloco permaneceriam intactas, segundo May, com total respeito às regras da UE, a fim de assegurar uma saída ordenada. A nuvem de dúvidas continua, no entanto, e sobretudo para o futuro econômico. Líderes e representantes do bloco receberam positivamente a postura ponderada de May, mas com fortes ressalvas: para muitos, restaram mais perguntas do que respostas, e surgem pedidos por mais explicações.
A principal interrogação que fica para a separação é o quão próximo o Reino Unido tentará se manter dos outros membros do bloco, e o quanto está disposto a pagar para isso. Em Londres, o governo debate se, na prática, poderia continuar, a níveis limitados, com comércio facilitado na UE, união alfandegária e algum acordo sobre imigração. Em Florença, a premier lembrou que ambas as partes dividem profunda responsabilidade para fazer o Brexit funcionar, e ressaltou que, embora o país tenha escolhido deixar o bloco, ainda é “membro orgulhoso da família das nações europeias”. Ao mesmo tempo, no entanto, admitiu que o Reino Unido nunca se sentiu totalmente em casa no bloco.
— No período de implementação, as pessoas poderão viver e trabalhar no Reino Unido, mas haverá um sistema de registro, uma preparação essencial para o novo regime — disse May. — A UE nunca nos sentiu como parte integrante da sua História nacional, como muitos outros países da Europa. Mesmo assim, nossa determinação em defender a estabilidade, segurança e prosperidade de nossos vizinhos e amigos europeus continua firme.
Sob protestos de um grupo anti-Brexit em Florença, May não citou cifras sobre seu compromisso financeiro com a UE. De maneira vaga, falou que quer o Reino Unido e a UE “trabalhando juntos para promover o desenvolvimento econômico a longo prazo do nosso continente”. Estima-se que a dívida até o fim do período orçamental, em 2020, custaria ao Reino Unido cerca de € 20 bilhões, enquanto os relatos são de que a premier ofereceria cerca de € 23 bilhões. O bloco, no entanto, exige algo muito maior, entre € 60 bilhões e € 113 bilhões, dizem estimativas.
O presidente da França, Emmanuel Macron, frisou ontem que as prioridades da negociação devem ser os direitos dos cidadãos da UE, os termos financeiros da saída britânica e a questão da Irlanda. Já para o chefe de negociações da UE para o Brexit, Michel Barnier, May mostrou espírito construtivo, sobretudo na promessa de proteger os cidadãos europeus em tribunais regidos por um novo tratado com o bloco, e não pela lei local. Reiterou que os 27 países-membros consideram o pedido da premier, mas lembrou que o Reino Unido não poderá manter todos os benefícios dos outros ex-sócios e pediu posições de negociação mais concretas para uma reunião depois de amanhã:
“O discurso mostra vontade de avançar, já que o tempo é essencial”, disse em nota.
Enquanto o governo tenta dar sinais de uma pouco crível unidade, a transição parece ser uma grande concessão, mas aparentemente era inevitável para não levar as empresas à beira do penhasco. “Sempre se pensou que um período de transição seria essencial, e as diretrizes de negociação do Conselho Europeu são muito explícitas sobre como o Reino Unido só deveria ter acesso ao mercado único durante um período de transição se aceitasse as regras da UE”, escreveu Andrew Sparrow, correspondente do jornal “The Guardian”.
De acordo com o jornal “Evening Standard”, o discurso de May seria uma vitória para o grupo mais “suave” do seu Gabinete, mostrando que a premier pode estar mais inclinada à posição do seu ministro das F|inanças, Philip Hammond. O “Guardian”, no entanto, acredita que essa vitória seria clara apenas na transição: a longo prazo, os linha-duras seriam favorecidos, e os analistas preveem uma difícil adaptação para a real chegada do Brexit.
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