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Terremoto expõe falta de proteção contra abalos sísmicos na Itália

Por Agência O Globo

26/08/2016 3h52 — em
Mundo



ROMA E AMATRICE, ITÁLIA — Enquanto equipes de socorristas e voluntários lutam contra o tempo para resgatar sobreviventes do terremoto que devastou cidades no centro da Itália, na madrugada de quarta-feira — deixando ao menos 250 mortos e centenas de feridos — multiplicam-se críticas à falta de proteção no país contra abalos sísmicos. A nova tragédia voltou a expor a fragilidade de infraestrutura, tanto em edifícios modernos como nos antigos, incluindo igrejas e monumentos, numa zona de atividade sísmica recorrente. Ao mesmo tempo, dezenas de novos tremores voltam a atingir a região em torno de Amatrice, prejudicando os esforços de buscas.

Ontem, a promotoria da província de Rieti, região mais afetada pelo sismo, abriu um inquérito para apurar a hipótese de desastre culposo no terremoto de magnitude de 6 graus Richter. Coordenada pelo promotor Giuseppe Saieva, a investigação analisará inclusive o desabamento de edifícios públicos que foram reestruturados após o tremor em Áquila (que deixou mais de 300 mortos em 2009), como a principal escola de Amatrice e o campanário e a torre do sino de Accumoli.

— Na Itália, é possível prever um terremoto de 6,3 graus a cada 15 anos, em média. Este dado deveria fomentar uma cultura maior de prevenção sísmica e proteção civil — criticou Fabio Tortorici, chefe de estudos do Instituto Geológico Italiano.

Apesar de ter sofrido ao menos oito terremotos mortais nos últimos 40 anos, a estimativa do Conselho Nacional de Arquitetos (CNAPPC) é de que mais de 70% das construções no país não estejam adequadas aos padrões antissísmicos requeridos. E mesmo depois de 2009, quando o tremor em Áquila (a apenas 70 quilômetros do epicentro da nova tragédia) forçou uma revisão completa das práticas de prevenção a danos provocados por terremotos, a região continuou propensa a uma nova destruição em massa em função dos abalos.

REESTRUTURAÇÕES DESRESPEITARAM NORMAS

À época do início da reconstrução de Áquila, ainda em andamento, jornalistas e especialistas denunciaram graves irregularidades na concessão de alvarás que atestavam regularidade dos edifícios tanto antes quanto depois do sismo. Funcionários da prefeitura de Rieti, capital da província afetada nesta semana, afirmaram que a nova tragédia “é também culpa de décadas de incompetência e corrupção de governos locais e nacionais”.

— Aqui, no meio de uma zona sísmica, nada nunca foi feito. Não custa muito mais, ao renovar um prédio, cumprir com os padrões de proteção contra terremotos. Mas menos de 20% o fazem — denunciou Dario Nanni, representante do CNAPPC.

Como agravante, a região central do país é tida como um “barril de pólvora geológico”, por causa da atividade sísmica constante, e cidades como Amatrice têm muitas casas antigas de pedra cobertas principalmente por cimento, desrespeitando padrões de segurança para a região. Assim como em Áquila, muitas construções antigas tinham tetos de madeira, que estragavam rapidamente e foram substituídos por cimento e vigas em restaurações aprovadas pelas autoridades. Imagens das áreas atingidas mostram que edifícios com cobertura de cimento eram os mais destruídos.

— As vigas indestrutíveis das construções de cimento batem nas paredes como um martelo quando caem. Isso é o que fez tantas casas entrarem em colapso — disse Nanni.

Preocupados, moradores das cidades vizinhas passaram a ficar longe das estruturas.

— A população está com muito medo. Tem muita gente dormindo nas ruas dentro dos carros. Quem mora em prédios nos andares mais altos procurou ir para casas de parentes e outros lugares onde se sintam mais seguros — relatou ao GLOBO a brasileira Anita Conti, moradora de Rieti.

Na tarde de ontem, enquanto continuavam a ocorrer dezenas de réplicas do terremoto (mais de 700 foram registradas), um forte tremor de 4,3 graus de magnitude voltou a sacudir a região, forçando a retirada imediata de equipes de resgate dos locais soterrados e atrasando os esforços de resgate. Enquanto autoridades tentam determinar culpados por falhas administrativas que amplificaram a destruição, mais de seis mil funcionários e voluntários socorristas corriam contra o tempo para resgatar sobreviventes, com cada vez menos esperanças. Passadas mais de 48 horas desde o tremor, autoridades admitiam a dificuldade crescente em achar com vida dezenas de pessoas que continuam desaparecidas.

— Vamos trabalhar incansavelmente até a última pessoa ser encontrada e nos certificarmos de que ninguém está preso (nos escombros) — disse Lorenzo Botti, porta-voz das equipes de resgate.

Num balanço da Defesa Civil anunciado no fim da tarde, 215 pessoas haviam sido resgatadas com vida dos escombros nas cidades.

SITUAÇÃO PODE SER MAIS GRAVE QUE A DE ÁQUILA

Somente em Amatrice, morreram ao menos 204 pessoas, segundo a prefeitura.

— Temo um balanço de vítimas pior que o de Áquila. Torçamos para que não, mas devemos estar prontos para isso. Não será uma surpresa — disse o chefe da Defesa Civil, Fabrizio Curcio.

Apesar de o terremoto ocorrer num período de férias, numa região que estava repleta de turistas, a maioria das vítimas fatais é de moradores locais. Até a noite de ontem, haviam sido identificados quatro estrangeiros: um canadense, uma espanhola e dois romenos.

Após declarar estado de emergência nacional, o primeiro-ministro Matteo Renzi alocou € 50 milhões de fundos para a reconstrução.

— Agora devemos enxugar as lágrimas. Não podemos esquecer que temos um compromisso moral com os habitantes destes lugares. A reconstrução é a prioridade do governo e do país — disse Renzi, que afirmou esperar uma união política para propor soluções a longo prazo contra catástrofes naturais. — Precisamos mudar nossa mentalidade. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento, mas também de prevenção.

O Ministério da Cultura também decidiu realocar o lucro de todos os museus públicos do país para ajudar a restaurar os edifícios danificados pelo terremoto. Entre as construções destruídas ou gravemente danificadas depois do terremoto estão cerca de 300 imóveis de valor cultural, revelou o ministro Dario Franceschini. Entre eles, igrejas, monastérios e outros patrimônios artísticos com centenas de anos nas regiões da Úmbria, Marche e Lácio.


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