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Pequim remove feiras e fábricas e tenta formar novo polo econômico

Por Agência O Globo

28/08/2016 3h52 — em
Mundo



PEQUIM — Entre arranha-céus que de tão altos incomodam a vista de quem tenta enxergar o topo e canteiros de obras de prédios de design arrojado, a feira Tian Shui Yun quase desaparecia no cenário do valorizado distrito de Chaoyang — o maior da capital chinesa. Só os iniciados acertavam de primeira o trajeto labiríntico até as instalações do velho mercado. Da avenida principal, tomavam-se duas ruas vicinais, cruzava-se o estacionamento cercado de grades de um edifício residencial e seguiam-se outras duas ruelas parcialmente calçadas. As bancadas de frutas, legumes, chás, roupas e todo tipo de bugigangas eram disputadas pelos fregueses, que passavam apressados com sacolas, a pé ou em bicicletas e tuk-tuks. Mas, por ordem da administração de Pequim, este foi um dos 36 centros de comércio fechados no primeiro semestre deste ano e que podem ser transferidos para os arredores da capital.

— Não sei para onde vou, nem se vou continuar trabalhando na mesma coisa. Moro aqui há muitos anos — disse ao GLOBO em abril, a duas semanas do fechamento, Li Zhang, de 40 anos, dono da barraca de frutas secas e biscoitos.

O fim de mercados tradicionais e o fechamento de 174 fábricas na região (de janeiro a junho) se explica pela estratégia da comissão de reforma e desenvolvimento de Pequim de conter o ritmo de crescimento acelerado da cidade — hoje a quinta maior do mundo — com mais de 22 milhões habitantes. O relatório de planejamento geral anunciado no início do ano determina que o tamanho da população seja mantido em 23 milhões até 2020, um objetivo bastante ousado para uma região que ganhou mais de três milhões em sete anos. Em 2004, chegou-se a falar em uma meta de 18 milhões de pessoas até lá, ultrapassada já em 2009.

Para atingir o compromisso, os seis maiores distritos da cidade devem encolher 15%. O plano é amplo e envolve diversos setores. Campi de universidades estão sendo levados para fora. Cerca de 20 mil alunos de três instituições já teriam sido transferidos para as novas instalações. O mesmo está sendo feito com alguns hospitais importantes como Tong Ren e You Yi, que estão abrindo novos departamentos fora do centro de Pequim. Até o final deste ano, outras 300 fábricas devem fechar as portas, assim como 90 mercados, entre eles a famosa feira de roupas a granel Dong Wu Yuan, próxima ao zoológico. Também ficou mais difícil para os migrantes de outras regiões obter o hukou, a autorização para viver em uma cidade e usufruir da rede social.

No fim de junho, era o vendedor de noodles (o macarrão de arroz chinês) Teng Beiling que se despedia emocionado do mercado noturno de Donghuamen, o primeiro do gênero desde a fundação do regime comunista em 1949. Ali, onde havia espetos de escorpiões, estrelas-do-mar e bicho da seda, este feirante de 64 anos ganhou fama por ser o único a manter uma das 90 bancas desde a criação da feira, em 1984.

No último dia, O GLOBO registrou a longa fila de clientes que foram prestigiá-lo. Autoridades alegaram preocupação com o barulho e o lixo deixado na rua que o mercado compartilhava com as fachadas de lojas de marcas internacionais. O célebre mercado de antiguidades de Panjiayuan, uma das atrações turísticas da cidade, com quase quatro mil estandes, também estaria na lista de candidatos à transferência. Mas o destino da feira de peças raras (entre muitas cópias) e relíquias comunistas ainda está sendo avaliado. Pode ser apenas reduzida. Em maio, os feirantes foram avisados de que os contratos de locação estavam prestes a expirar e que, se não assinassem novos, teriam de deixar o ponto. A medida causou protestos. A administração disse que tudo não passou de um mal-entendido.

As mudanças previstas daqui para frente fazem sentido se conseguirem aliviar as pressões sobre a capital. Com a população, aumentou a poluição (que pode chegar a níveis 50 vezes acima do tolerado pela Organização Mundial de Saúde), a disputa por imóveis e o tráfego. Também cresceu o uso dos serviços de abastecimento de água e eletricidade, assim como dos meios de transportes. O que se quer é criar uma grande metrópole que estenda para além das fronteiras de Pequim, desenvolvendo cidades na província de Hebei. Por sinal, a administração provincial, em cooperação com Pequim, oferece benefícios para os recém-chegados. É para lá que vai boa parte dos mercados.

A grande área que querem criar é uma megalópole que está sendo chamada de Jing Jin Ji, reunindo Pequim, Tianjin e Hebei. O nome vem da mistura das três: “Jing”, de Beijing (nome em mandarim de Pequim); “Jin”, de Tianjin e “Ji”, do antigo nome de Hebei. Com isso, reduz-se a população de Pequim e cria-se um polo econômico forte o suficiente para fazer frente a Xangai e Guangdong.

A promessa é que ficarão em Pequim os setores que precisam estar em uma capital. Nos espaços abertos devem ser criadas áreas financeiras e centros de desenvolvimento de cultura e design. Pode ser uma boa notícia se as novas construções não se reduzirem apenas a outros empreendimentos imobiliários como os que já fazem da cidade uma das mais caras do mundo para se morar.


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