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Drama persistente de imigrantes expõe fracasso de políticas da União Europeia

Por Agência O Globo

31/08/2016 3h52 — em
Mundo



RIO, PARIS E ROMA — Incapaz de encontrar soluções eficazes contra a crise migratória mais grave no continente desde a Segunda Guerra Mundial, a União Europeia (UE) volta a ver um fluxo descontrolado de refugiados chegando às suas fronteiras e se aglomerando em centros de acolhimento. Após uma operação de resgate salvar 6.500 migrantes africanos anteontem no litoral da Líbia e outros três mil ontem, autoridades temem um fluxo incontrolável na rota do Norte da África em direção à Itália pelo Mediterrâneo. Enquanto isso, no Norte do continente, ocorre o aumento exponencial da população do campo francês de Calais, no Canal da Mancha, que, mesmo tendo passado por remoções em massa, teve suas áreas reocupadas nos últimos meses e deve chegar a dez mil habitantes nos próximos dias. Os dois episódios ilustram o fracasso das tentativas europeias de sanar o problema da imigração ilegal.

Símbolo da dificuldade em realocar os imigrantes que tentam chegar ao Reino Unido, a reocupação do improvisado campo em Calais — conhecido como A Selva — representa um baque na nova política do governo francês de distribuir milhares de imigrantes por centros de acolhida (de cinco mil vagas, duas mil foram ocupadas) e usar contêineres transformados em habitações.

FUGA EM MASSA PELO ALTO-MAR

As estimativas são de que a população local tenha triplicado desde as remoções do primeiro semestre. Enquanto isso, vizinhos e comerciantes da cidade prometeram bloquear a estrada que leva ao porto a partir da próxima semana, até que o acampamento seja desmantelado. Eles alegam o aumento da violência — o que os próprios migrantes admitem.

— Há brigas aqui toda hora agora. Você pode ser esfaqueado por dinheiro — advertiu ao “Telegraph” o afegão Rais, 23 anos, aguardando uma oportunidade para cruzar o canal e chegar a Dover, no lado britânico.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy e o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, candidatos presidenciais para 2017, defenderam o fim do bloqueio na fronteira terrestre com o Reino Unido, na entrada do Eurotúnel do lado francês, deixando o caminho livre para a saída dos migrantes. A oposição alega que, com a saída britânica da UE, é hora de forçar Londres a resolver o assunto e tirar a pressão da França. Ontem, no entanto, a medida foi descartada numa reunião entre o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, e a nova secretária do Interior britânica, Amber Rudd.

“Estamos comprometidos em trabalhar juntos para fortalecer a segurança da fronteira compartilhada, diminuir drasticamente a pressão migratória sobre Calais e preservar a ligação econômica vital que passa pela região”, disseram os dois num comunicado conjunto.

Enquanto isso, o fluxo migratório em direção à Itália, saindo principalmente da Líbia, volta a preocupar as autoridades. Se em 2015 explodiu o deslocamento através do Mar Egeu, entre a Turquia e a Grécia, a rota líbia voltou a ser intensamente procurada após um recente acordo entre o governo turco e a UE que fechou a fronteira grega. Das cerca de 260 mil pessoas que chegaram pelo mar à Europa este ano, mais de cem mil cruzaram o Mediterrâneo vindas da África. Mais de 3.100 morreram, relata a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Somente desde sexta-feira passada, estima-se que mais de 15 mil tenham chegado, aproveitando o clima quente do verão e o mar mais estável. Anteontem, uma megaoperação das Marinhas italiana e espanhola, junto a ONGs de resgate, salvou 6.500 migrantes e refugiados africanos em barcos de madeira superlotados na costa da Líbia. Ontem, outros três mil foram socorridos ao tentarem a travessia.

— Muitos não sabiam nadar, são idosos, mulheres, crianças, menores desacompanhados. Qualquer movimento de resgate quando há muitas destas pessoas é arriscado, e pode acabar com a estabilidade do barco. Tivemos de ser rápidos e cuidadosos. Demos coletes para evitar o pior — disse ao GLOBO Nicholas Papachrysostomou, coordenador de operações do navio Dignity 1, da Médicos Sem Fronteiras (MSF), que retirou anteontem cerca de 700 pessoas do mar, entre elas 92 menores desacompanhados e prematuros recém-nascidos.

O principal fluxo de migrantes em direção à Europa pela Líbia vem da África Subsaariana, originários de países como Eritreia, Etiópia, Nigéria e República Centro-Africana. Em geral, os fugitivos saem de casa por causa de conflitos, perseguição e pobreza, e ainda sofrem com traficantes de migrantes.

— Estas pessoas estão sendo abusadas física e sexualmente. Mas as políticas europeias são feitas para desencorajá-las. Precisamos de uma UE mais responsável. Não pode mais haver mais vidas perdidas. Estamos preenchendo o vazio no mar deixado pela falta de iniciativa das instituições. Ninguém deveria negar ao outro o direito de migrar — criticou Papachrysostomou.

Um ano após anunciar sua política de portas abertas, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, disse que o país e a UE “fizeram vista grossa por tempo demais para a crise enquanto buscavam soluções”.

— Ignoramos o problema por tempo demais e bloqueamos a necessidade de se encontrar uma solução pan-europeia. Deixamos a Espanha, a Grécia e a Itália lidarem sozinhos. Naquele momento, nós também rejeitamos uma distribuição proporcional de refugiados — disse ela ao diário “Süddeutsche Zeitung”.


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