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Doações e plataformas digitais buscam driblar escassez na Venezuela

Por Agência O Globo

31/07/2016 3h52 — em
Mundo



BUENOS AIRES — Todos os dias, Ismael Impellizzieri e sua equipe de três colaboradores entregam na cidade de La Victoria, estado venezuelano de Aragua, em média, 250 medicamentos doados por compatriotas que estão dentro e fora do país a pessoas que enfrentam a escassez de remédios no mercado interno. Ismael preside a Fundação La Pastillita, uma das tantas iniciativas solidárias que surgiram desde que a crise venezuelana alcançou níveis dramáticos. Enquanto o presidente Nicolás Maduro insiste em negar a abertura de um canal humanitário que permitiria a outros países e organizações não governamentais fazer doações oficiais de alimentos e outros produtos que não se conseguem no país, ações não oficiais de pessoas como Ismael se multiplicam.

Na prática, o canal que Maduro não quer aceitar já existe. Em muitos casos, são plataformas digitais que conectam potenciais doadores de remédios com pacientes que não conseguem realizar os tratamentos necessários pelo desabastecimento interno. Em outros, o crowdfunding foi a maneira que muitos venezuelanos encontraram para obter os recursos necessários para comprar remédios no exterior — que devem ingressar ao país através de algum portador, já que a importação oficial está proibida — e financiar tratamentos.

— Nos primeiros meses deste ano, recebemos 21 mil pedidos e atendemos à demanda de mais de 11 mil pessoas. Foram entregues mais de 30 mil medicamentos — contou Ismael ao GLOBO.

Ele questionou a atitude do governo Maduro e acusou o presidente de “tentar esconder a crise por motivos políticos”.

— Aqui não se trata de uma disputa política, vidas estão em jogo. Tem muita gente sofrendo, até mesmo quem tem muito dinheiro, mas tampouco consegue remédios — disse o diretor de La Pastillita.

Em La Victoria, cidade localizada a cerca de um hora de Caracas, Ismael e seus ajudantes recebem doações todos os dias. Para entregar os remédios, pedem apenas um documento e uma receita médica.

— Recebemos envios de outros países, como Itália, França e Alemanha. A escassez de medicamentos já chega a 80% e falta de tudo — lamentou o criador de La Pastillita.

De fato, nas farmácias venezuelanas atualmente é praticamente impossível conseguir desde aspirinas até remédios para pacientes com câncer, antibióticos e remédios para doenças crônicas, como Parkinson. Em alguns hospitais, os médicos já fizeram greve de fome para pedir a Maduro que aceite abrir um canal humanitário. Mas o Palácio Miraflores não cede.

— Já temos 13 mil usuários registrados e já realizamos 2 mil doações de medicamentos — afirmou Ana Karina Fuentes, que administra a plataforma Donamed.

Muitos dos remédios facilitados pela Donamed são fornecidos por venezuelanos que nos últimos anos rumaram para um exílio forçado, principalmente nos EUA e Espanha.

— Muitas pessoas estão ajudando neste momento, é um verdadeiro canal humanitário espontâneo — disse Ana Karina.

Outra iniciativa similar, chamada Dar y Recibir (dar e receber, em espanhol), foi lançada há pouco mais de um ano por Alejandra Garcia. Através dessa plataforma digital, Alejandra recebe ajuda financeira — via depósitos bancários e pagamentos com cartão — e doações de medicamentos.

— Já temos mais de 350 beneficiários. Em muitos casos, pessoas que se cansaram de rodar as cidades em busca de remédios que já não se conseguem mais — assegurou Alejandra.

Ela disse que seu principal objetivo é “conectar pessoas que precisam de ajuda com outras que podem ajudar”:

— A situação dos remédios é cada vez mais delicada. Se o governo não nos ajuda, não temos outra opção a não ser criar mecanismos alternativos e paralelos ao sistema de saúde, estatal e privado — enfatizou a criadora do Dar y Recibir.

Dirigentes políticos da oposição também participaram, recentemente, de campanhas para promover a doação de remédios. Uma das mais divulgadas foi Resgate Venezuela, comandada por Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López — líder do partido Vontade Popular, que está preso desde fevereiro de 2014. Lilian realizou um evento em Madri e conseguiu reunir sete toneladas de medicamentos.

Mas, apesar da evidente escassez em hospitais e farmácias de todo o país, o governo venezuelano continua garantindo que o desabastecimento não existe.

— Temos elementos suficientes e objetivos para demonstrar que neste país estão sendo produzidos medicamentos, estamos importando os necessários e vamos começar a distribuí-los da forma mais eficiente possível — declarou, no início deste mês, a ministra da Saúde, Luisana Melo.

De acordo com ela, “não há 80% de desabastecimento de medicamentos — como indicou há poucos meses a Federação Farmacêutica Venezuelana — mas sim de algumas marcas comerciais”.

Mas a realidade parece ser bem diferente. As iniciativas de crowdfunding são cada vez mais frequentes e envolvem, em muitos casos, venezuelanos que vivem no exterior, como Tati Delgado, que mora no Canadá. Através de uma conta na rede social Facebook, Tati recebe doações de medicamentos para tratar doenças como diabetes e epilepsia. Iniciativas semelhantes já existem em Portugal e Espanha.

— Meus pais são médicos e me dizem o que está fazendo mais falta na Venezuela. Não é fácil enviar os remédios, preciso da ajuda de portadores que possam levar caixas pequenas, que não chamem muito a atenção — comentou Tati.

O canal humanitário paraoficial venezuelano é cada vez maior, assim como a crise humanitária que assola o país.


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