Cristina Kirchner se repagina para tentar recuperar espaço político
BUENOS AIRES - O prazo para inscrever candidaturas para as Legislativas do próximo dia 22 de outubro na Argentina vence no sábado, e toda a atenção está focada na mulher que governou o país entre 2007 e 2015. A sensação predominante, depois do gigantesco ato realizado terça-feira passada num estádio de futebol da Grande Buenos Aires, é de que Cristina Kirchner será candidata a senadora pela província de Buenos Aires e iniciará, assim, um retorno ansiado por seus seguidores (estimados em 25% dos eleitores) e aliados. Mas recuperar o espaço perdido não será fácil para esta mulher de 64 anos, mergulhada em verdadeiro inferno judicial. Segundo analistas, o índice de rejeição à ex-chefe de Estado supera 50% e seu governo é considerado, por muitos argentinos, como um dos mais corruptos da História do país.
Sendo mais Cristina do que nunca, a ex-presidente sequer mencionou a palavra corrupção em seu discurso (ela e os filhos foram acusados de lavagem de dinheiro e associação ilícita, entre outros crimes). Pelo contrário, repetiu várias vezes a palavra ajuste e culpou seu sucessor, Mauricio Macri, de ter “desorganizado nossa vida”. Com uma simpatia e empatia com o povo poucas vezes vista quando estava à frente do Executivo, a ex-chefe de Estado transformou seu relançamento político numa espécie de show das “vítimas do governo Macri”.
Assim, foram chamadas ao palco estagiárias que perderam bolsas de pesquisa científica, professoras, estudantes e trabalhadores, que se lamentaram das consequências da recessão econômica, que começou muito antes de Macri assumir o poder.
— Foi uma inteligente operação de maquiagem — disse uma altíssima fonte do governo.
Macri, segundo a fonte, não está preocupado “porque nada mudou em relação ao que as pessoas pensam dela”. Na visão do deputado Eduardo Amadeo, da aliança governista Mudemos, Cristina está tentando apagar seu passado e deve ter ensaiado muito antes de voltar.
— Foi evidente que estava tudo preparado, até o choro.
Ele, em sintonia com a Casa Rosada, vê um debate eleitoral “entre passado e futuro”. A realidade é bem diferente para quem acompanha “a chefa”, como é chamada Cristina por seus parceiros políticos.
— Cristina, como nós, vê uma política que está deteriorando as famílias, as indústrias, o trabalho, a cultura. E nossa proposta é de união, num momento que deve ser fundacional para a política argentina — afirmou Eduardo Sigal, vice-presidente da Frente Grande, que integra a União Cidadã.
De cara, esta união não inclui setores importantes do tradicional Partido Justicialista (PJ), por exemplo, muitos de seus governadores. Como lembrou o analista político Sergio Berensztein, “a ex-presidente nunca se sentiu à vontade na estrutura do PJ e, neste aspecto, está sendo coerente”. Resultado: o peronismo irá rachado às Legislativas, ponto para Macri.
— Cristina está tentando se reposicionar. Hoje ela quer se mostrar como a representante dos que sofrem as consequências do ajuste.
Ou seja, uma Cristina próxima do povo, que entende suas necessidades e nada tem a ver com a crise que Macri não consegue superar.
Mas a ex-chefe de Estado enfrenta, ainda, o desafio de fazer uma campanha sem o controle da mídia. De fato, os meios de comunicação financiados pelo kirchnerismo perderam influência e espaço no mapa e muitos literalmente desapareceram. A alternativa, segundo Berensztein, será uma campanha à la Trump, abusando das redes sociais. Ou seja, os argentinos se livraram das cadenas de Cristina e agora a verão multiplicar-se no Twitter e Facebook.
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