Crise na Venezuela causa onda de ‘balseiros do ar’
A imagem chocante de dezenas de milhares de venezuelanos atravessando a fronteira para a Colômbia em busca de alimentos, mesmo que por poucas horas, é emblemática. E pode ser um retrato da atual onda de emigração que vem atingindo o país, seja pela grave crise econômica, seja pela perseguição política. Quem tem dupla cidadania escolhe o país de sua segunda nacionalidade, geralmente a Espanha. Mas quem não tem essa opção acaba indo para países como Colômbia, Costa Rica, Panamá ou Peru — ou, claro, o Sul da Flórida, destino buscado por venezuelanos há décadas. Os “balseiros do ar” chegam de avião, geralmente levando a menor bagagem possível, para não levantar suspeitas. O objetivo é o mesmo: ficar nos EUA.
Se, nos anos 2000, pouco mais de 90 mil venezuelanos viviam nos EUA, dez anos depois já eram 215 mil — número que pode estar desatualizado. A associação Veppex calcula que somente na Flórida existam mais de 250 mil venezuelanos — e cerca de mais 90 mil vivam de forma ilegal no país. A atual onda emigratória, no entanto, difere da que começou com a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999. Daquele ano até 2013, 60% dos que chegavam aos EUA tinham motivação política. Nos últimos dois anos, 70% fugiram por conta do desastre econômico e da falta de segurança.
— Os imigrantes que estão chegando a Miami vêm com muito esforço, pouco ou pouquíssimo dinheiro. Suas condições são extremamente duras — revela Patrícia Andrade, da Fundação Venezuela Awareness, baseada em Miami.
Cada pedido de asilo representa um grupo familiar, ou seja, o número é ainda maior — em fevereiro deste ano, foram mais de 1.140 solicitações. Segundo Patrícia, há dois casos: aqueles que fizeram uma mudança organizada e planejada, e os que deixaram o país rapidamente, principalmente por causa da perseguição política — desde que Chávez chegou ao poder foram mais de 20 mil pedidos de asilo político nos EUA.
Graças ao programa Raízes, Patrícia conversou com famílias inteiras que dividem o mesmo quarto — “que é o que podem pagar” — além de outras que são obrigadas a viver nas ruas.
— São famílias que vieram para trazer seus conhecimentos aos EUA, já que são profissionais qualificados: é a chamada fuga de cérebros. Eles vêm para trabalhar legalmente, não para ser uma carga.
Leonardo Freitas, sócio fundador da Hayman-Woodward, consultoria baseada nos EUA que presta serviço a pessoas e empresas que querem imigrar, conta que as solicitações de asilo de venezuelanos subiram 49% nos últimos dois anos.
— As dificuldades em encontrar artigos de primeira necessidade e o atual governo não lhes dão o mínimo de segurança pública, fazem com que muitos se sintam obrigados a sair do país.
Um lado dessa crise se estende a cerca de 12 mil aposentados e pensionistas venezuelanos em outros países. Muitos deixaram de receber suas pensões. Uma delas é Sonia Laborde, 73 anos, que vive em Santiago, no Chile, e é presidente da Associação de Pensionistas e Aposentados da Venezuela no país.
— A destruição do aparato produtivo, somada à queda do preço do petróleo, levou ao desastre econômico e social que aflige o povo que foge do país — conta ao GLOBO. — Vemos um grande afluxo de venezuelanos em busca de trabalho. Muitos médicos especialistas, que felizmente conseguem emprego logo, devido à carência de especialidades médicas no Chile.
Miguel Megías, 80 anos, conta não ter recebido resposta de Caracas às suas repetidas reclamações. Ele vive nas Ilhas Canárias, na Espanha:
— Até 2014, não havia problemas, mas depois a situação mudou radicalmente. Estamos há um ano sem receber.
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