Alemanha: partido pró-Erdogan quer unir turcos contra Merkel
BERLIM - Num período de intensa acidez com o governo turco, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, sente na pele os efeitos do fator Recep Tayyip Erdogan no seu destino político. Mesmo sem chances reais de entrar no Parlamento, o partido Aliança de Democratas Alemães (AAD), composto unicamente por candidatos de origem turca, faz uma expressiva campanha, sobretudo no Oeste do país, para os imigrantes que se sentem frustrados com as políticas de Berlim. A corrente une-se ao apelo que, no mês passado, o chefe do governo de Ancara fez aos 1,2 milhão de eleitores turcos na Alemanha para que votassem contra os grandes partidos políticos na eleição de amanhã.
O AAD é um pequeno partido simpático ao governo de Erdogan. Seus políticos falam, especificamente, para os imigrantes e muçulmanos que — durante décadas servindo de mão de obra para as indústrias, mas sem uma concreta política de integração — se sentem marginalizados na sociedade alemã. Merkel, inclusive, já reconheceu que o Estado falhou por não ter proposto políticas assertivas para o grupo até os anos 1990. Agora, nas próximas eleições, o partido espera ampliar sua mensagem, embora com poucas ambições políticas imediatas, acreditando que o interesse da comunidade turca tenha aumentado na Alemanha com as recentes tensões diplomáticas e, também, pela ascensão da extrema-direita anti-imigração — cujo partido Alternativa para a Alemanha (AfD) vem ganhando popularidade e intenções de voto, segundo pesquisas recentes.
— Não somos políticos profissionais, mas cidadãos comuns frustrados com o crescente sentimento contra a Turquia na Alemanha ao longo dos últimos anos — disse o secretário-geral do partido, Halil Ertem , à agência turca Anadolu. — Nas eleições federais, esperamos significativamente aumentar nosso apoio. Mas nosso verdadeiro trabalho começará na segunda-feira. Nosso principal objetivo será conquistar assentos nas eleições do Parlamento.
Segundo Ertem, o partido ama e respeita Erdogan, mas não tem laços políticos com o governo turco. À Anadolu, disse que seus membros nunca tiveram discussões com autoridades de Ancara nem receberam seu apoio desde a sua fundação, em agosto do ano passado, em reação à controversa moção do Parlamento alemão que reconhecia a morte de 1,5 milhão de pessoas entre 1915 e 1917 sob o Império Otomano como genocídio armênio.
A maioria dos analistas acredita que o pedido de Erdogan contra os grandes partidos alemães tenha sido, na verdade, uma estratégia para ganhar apoio no seu país. No entanto, se os resultados da votação indicarem que os turcos que vivem na Alemanha pouco compareceram às urnas ou evitaram os grandes partidos, este poderá ser um sintoma de falhas na integração dos imigrantes às suas comunidades. Ou, o que alguns consideram ainda mais preocupante, um sinal de que o presidente turco tem poder político suficiente para influenciar, ao menos parcialmente, as eleições alemãs.
As tensões entre Ancara e Berlim aumentaram consideravelmente nos últimos 18 meses, desde que Erdogan organizou comícios para promover sua proposta de reforma constitucional, votada em referendo, na comunidade turca de cidades alemãs. Autoridades locais proibiram os eventos, em retaliação à grave onda de repressão liderada pelo presidente após uma tentativa de golpe militar em julho do ano passado. Enquanto Merkel e Erdogan entravam numa intensa troca de farpas políticas — em que o presidente turco acusou a Alemanha de “práticas nazistas” —, a comunidade de imigrantes turcos se viu sob os holofotes.
No entanto, os votos da comunidade turca estão longe da homogeneidade. Apesar da visibilidade que a AAD vem conquistando, muitos na Pequena Istambul — área de Munique que reúne muitos vendedores, cabeleireiros e padeiros turcos — acreditam que o governo de Erdogan está se convertendo numa ditadura e temem fazer críticas à sua liderança. O baixo comparecimento à consulta popular do presidente neste ano foi interpretado como um sinal desta rejeição, sobretudo dos imigrantes que há décadas — muitos nos anos de 1960 — deixaram o seu país.
— Nós trabalhamos aqui há 30 anos, nossas crianças estudaram e se formaram aqui. Nós pertencemos à Alemanha — disse um imigrante à ABC em condição de anonimato.
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