Sem prazo para acabar, Era Xi é alavancada por avanço econômico
PEQUIM — Os últimos cinco anos podem ter sido apenas o começo de uma longa Era Xi na China. Em uma decisão histórica, porém pouco surpreendente, o Parlamento aprovou ontem uma emenda constitucional que acaba com o limite para mandatos presidenciais. Com isso, o atual chefe de Estado, Xi Jinping, no poder desde 2013, poderá permanecer no cargo indefinidamente, além de 2023, data em que termina o seu segundo governo de cinco anos. Este é mais um passo para confirmar o seu como líder chinês mais poderoso desde a morte de Mao Tsé-Tung, há 42 anos.
Sob fortes aplausos, o resultado foi quase unânime: dos quase 3 mil delegados do Congresso Nacional do Povo, que se reúne anualmente, 2.958 votaram a favor da medida, dois foram contra e três se abstiveram. Era necessária uma maioria de dois terços para permitir ao presidente tentar a reeleição para mais de dois mandatos. Os cinco dissidentes, considerados um pequeno símbolo da reação de círculos progressistas, deverão permanecer anônimos.
A emenda aprovada também inclui na Constituição “o pensamento de Xi Jinping para a nova era”, uma conquista que nenhum outro líder desde Mao havia conseguido enquanto estava no cargo. Além disso, foram incluídas cláusulas para dar suporte legal a um novo superdepartamento anticorrupção.
Xi conta com o apoio da população, e uma das principais explicações para isso é que a vida dos chineses, em termos econômicos, melhorou nos últimos anos. Na semana passada, a professora de chinês Nancy Liu, de 26 anos, resolveu fazer uma brincadeira com amigos: enviou para 20 deles por mensagem de WeChat (o primo turbinado do WhatsApp e do Twitter, ambos proibidos na China) a pergunta “Dinheiro traz felicidade?”. Para sua surpresa, 15 deles responderam que sim. Uma amiga explicou o motivo. Disse que estava triste naquele dia, mas que, depois de se dar ao luxo de comprar um doce em uma padaria chique no centro de Pequim por 30 yuans (cerca de R$ 15,50) para oferecer ao filho, ficou contente.
Há uma década, a amiga de Nancy provavelmente não teria o mesmo impulso, porque os tempos eram mais difíceis.
— Xi vai ficar para sempre agora? Onde você viu isso? Não sei se acho bom. Mas desde que a vida das pessoas continue melhorando, para mim está bem — disse a professora, antes da decisão do Parlamento, especulando se o Congresso Nacional do Povo acabaria com o limite de dois mandatos.
Nancy mudou-se para a capital exatos dez anos atrás. Saiu de Harbin, onde vivia com a família, para estudar e ter uma vida melhor. Hoje, suas condições econômicas não se comparam às dos pais quando tinham a sua idade:
— Eles não tinham o suficiente para comer. Viveram tempos de miséria. Durante a Revolução Cultural, não tiveram acesso a uma boa educação. Trabalharam muito para que eu estudasse.
Os controles sobre a liberdade de expressão foram endurecidos desde que Xi assumiu o comando do país no final de 2012, com restrições à internet e às mídias sociais. Presidente, secretário-geral e “núcleo” do Partido Comunista da China, além de comandante em chefe das Forças Armadas, Xi tratou de se fortalecer nestes últimos anos. Os chineses, no entanto, parecem não se importar. Tampouco fazem questão de acompanhar política. Acham desnecessário.
Existe uma espécie de acordo tácito entre a sociedade e o governo que estaria atrelado ao bom desempenho da economia. Não é para menos. O balanço do primeiro mandato do presidente (2013-2017) mostra que a renda individual subiu 7,4% ao ano somente nos últimos cinco anos, acima da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) e superior à inflação do período. Ou seja, houve um ganho real expressivo, quando foram criados 66 milhões de empregos urbanos. Mais de 80 milhões de pessoas deixaram o campo para encontrar oportunidades nas grandes cidades. É quase o equivalente à população da Alemanha.
O consumo cresceu tanto que já é um dos principais motores da economia. Foi responsável por quase 60% dos crescimento na era Xi Jinping. No meio da tarde de sexta-feira, eram longas as duas filas diante do Heytea Black, uma casa de chá da moda, no bairro de Sanlitum. Elas chegaram a ser divididas para não atrapalhar o fluxo de consumidores no shopping.
Tem gente que vende o lugar na fila para os interessados que não querem perder uma hora para comprar o seu chá. Pagam entre 23 e 30 yuans (de R$ 12 a R$ 15,50) — ou o equivalente a cerca de uma hora de trabalho, de acordo com o salário mínimo de Pequim —, tiram várias fotos, não chegam a tomar tudo e vão embora. Quem compra o lugar quer ser visto carregando o seu chá e todos os acessórios de marca, fotografados com celulares modernos de duas câmeras, só para melhorar as .
— Não se tem acesso a todas as informações de fora. Mas quem precisa? O WeChat (com um bilhão de usuários ativos) é um mundo à parte. Você pode viver sem o resto. Isso é o que importa hoje. Eu acho triste. Os chineses não querem falar de política. Não discutem o modelo. No passado, isso só fez mal, causou tristeza e perdas nas famílias — disse um jornalista chinês que já trabalhou para um importante periódico estrangeiro na China.
O governo agora colocou nas suas metas para este ano a redução do imposto sobre produtos importados, uma paixão nacional, e do imposto de renda. Vai instituir uma espécie de dedução com alguns gastos de saúde, que são extremamente caros no país. Xi Jinping destacou a importância de se revitalizar as áreas rurais para garantir uma nação “moderadamente próspera”, como prometeu para a nova era.
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