Reforma na burocracia garante votos para Putin
MOSCOU — Faça chuva, sol ou neve, Maria Zenenko acorda antes das 8h todos os dias para levar sua filha mais velha, de 5 anos, à aula. São cinco minutos de caminhada até chegar à escola pública, onde a menina tem aulas de dança, natação e inglês, além de quatro refeições, até ser liberada às 19h. Nesse ínterim, Maria trabalha — ela é tradutora e intérprete —, e na última segunda-feira reservou uma parte da tarde para ir ao colégio central do bairro, a fim de matricular a filha caçula, de 2 anos. Na secretaria, apresentou uma pasta de documentos, retirados mais cedo numa central de atendimento do distrito. Em cinco minutos, desceu com o papel que ratificava a matrícula — “pré-reservada” desde o nascimento da menina, por meio de um serviço disponível em aplicativo de celular. Sobrou tempo para uma xícara de café em casa, que fica num raio de 1,5km de todos os serviços públicos do bairro.
A passagem acima não saiu de uma propaganda eleitoral do presidente, Vladimir Putin, candidato ao quarto mandato no domingo, tampouco veio de um romance dos tempos soviéticos. Aconteceu no bairro de Vostochnoye Izmaylovo, numa região que já foi das mais perigosas de Moscou no início da década. No extremo leste da capital russa, na divisa com a zona metropolitana, o bairro com moradias simples ao estilo soviético é motivo de orgulho para Maria.
— Todos os serviços públicos são integrados, fazem parte de um sistema que obedece uma lógica. Eu consigo perceber que as coisas funcionam — conta Maria.
A percepção dos serviços prestados pelo governo nem sempre foi tão benevolente. Em 2015, Putin criticou seu Ministério de Assuntos Internos pelo avanço da criminalidade. Naquele ano, houve 195 mil ocorrências — incluindo roubos, agressões e homicídios — em Moscou, o índice mais alto da década. A Rússia vivia uma recessão em meio à queda dos preços de petróleo, um de seus principais itens de exportação. O PIB encolheu 2,8% à época, de acordo com o FMI.
Putin não esperou o barril de petróleo esquentar para apresentar uma resposta. Para analistas ocidentais, a anexação da Crimeia, em 2014, fez parte da estratégia do presidente de se escorar no sentimento nacionalista para manter-se em alta com a população, mesmo quando turbulências econômicas já davam os primeiros sinais. Mas muitos cidadãos de Moscou entendem que a ação decisiva não se deu na política externa, e sim na atenção básica.
Durante a Presidência de Dmitri Medvedev, em 2010, o governo federal sancionou a Lei 210-FZ, destinada a aperfeiçoar os serviços dos municípios. Quatro anos depois, com Putin como presidente, foram lançadas as primeiras unidades do centro multifuncional Moy Dokument (Meus Documentos), que hoje estão em praticamente todos os 146 bairros da capital. O local otimiza a burocracia, que tem má fama desde os tempos do czarismo.
Para uma criança recém-nascida, por exemplo, é preciso criar um registro residencial logo depois de obter a certidão de nascimento. Com esse registro, os pais podem dar entrada no seguro de saúde e depois registrar o filho na clínica mais próxima. Depois, para matricular a criança em creche ou escola, é preciso apresentar o registro de moradia e uma carteira de previdência social — do filho, não dos pais.
Antes, cada uma dessas etapas precisava ser realizada em prédios administrativos diferentes. Agora, no Moy Dokument, tudo é feito no mesmo local — um avanço significativo para os russos, especialmente os mais velhos, que ainda têm na memória as filas e burocracia intermináveis dos tempos soviéticos. Com um aplicativo de celular, é possível tirar dúvidas sobre documentação e agendar atendimento. Para o aposentado Oleg Saneliev, de 71 anos, a barreira tecnológica não foi um problema.
— Bem, eu dou um jeito para me virar com o aplicativo — afirmou Oleg. — O importante é que os serviços têm melhorado. O tempo para marcar consultas caiu, os serviços estão mais acessíveis. Mas é preciso dizer que as coisas funcionam melhor em Moscou do que no interior.
Maria também compara:
— Quando minha filha mais velha nasceu, tive que ir a quatro ou cinco lugares para resolver a papelada. Quando a segunda nasceu, só precisei deixar minhas coisas no centro multifuncional e pegar os documentos no dia seguinte.
Entre 2016 e 2017, o salário mínimo subiu 25%, e chegou a 7,8 mil rublos (cerca de R$ 450). Em janeiro, após novo aumento, o piso passou a cerca de 9,5 mil rublos (R$ 540) — número ainda abaixo, no entanto, do nível de subsistência, de 11 mil rublos ou R$ 630. Durante a campanha, Putin prometeu levar o salário mínimo ao patamar da subsistência.
Nos últimos cinco anos, o preço das passagens de metrô aumentou 25 rublos, ou cerca de R$ 1,45. A prefeitura, no entanto, introduziu um cartão social moscovita, que prevê gratuidade no transporte público, como existe no Brasil, para crianças abaixo de 5 anos e idosos — que também têm descontos em farmácias e supermercados. Além disso, o governo prevê uma assistência de 400 mil rublos (mais de R$ 23 mil) para as famílias a partir do segundo filho. O benefício é pago por crédito bancário e serve para despesas educacionais, de saúde ou de moradia.
— Sabemos quais são nossos direitos. Mas também que é preciso arcar com deveres — observa Maria, que morou no Rio no início dos anos 2000. — Eu percebia no Brasil a cultura do “estou pagando”: algumas pessoas se achavam no direito de fazer tudo quando envolvia o próprio dinheiro. Era uma mentalidade voltada para direitos, mas não para deveres.
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